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A dor da derrota

Carísimos (as),

O trabalho com crianças e adolescentes no âmbito da educação esportiva é potencial gerador de muitas questões – se assim nos dispusermos a, como dizia aquele um, olhar com os olhos de ver. E ouvir com os ouvidos de escutar, perdoem a incisiva.
[Pais & filhos]
Mas é porque é comum nas diversas culturas, em seus pontos fortes, mais vibrantes, naturalizar determinados comportamentos, como se esta ou aquela maneira de reagir a um determinado acontecimento fosse dado, estabelecido, determinado. Quero me referir aqui à maneira como o adulto reage à derrota num jogo de futebol no Brasil – não sua, mas do jogador infanto-juvenil. Em miúdos: do pai ou da mãe quando o filho perde um jogo. Do professor quando os alunos (seus comandados) perdem uma partida, um campeonato.
Me permito esta pequena reflexão a partir dos torneios que temos participado ao longo de mais de uma década, seja entre os nossos ou junto a outras escolas e clubes. Meu ponto de partida é a tentativa de reconhecer o que se passava dentro de mim após um dia de amargar algumas muitas derrotas nas quadras. Algumas muitas.
Percebi que estava algo irritadiço. Talvez um traço imperceptível para quem estivesse ao meu lado, mas no fundo eu sabia que existia um incômodo, por assim dizer. Suponho que consegui manter a elegância desportiva até o fim do evento, mas o incômodo persistia. Vi pais e filhos entrando e saindo, assim como professores e alunos. Noutra configuração, poder-se-ia dizer: jogadores, torcedores, treinadores, aquilo próprio do registro da fantasia.
O problema é que a fantasia é uma faca de dois gumes. Porque se é ela que vai dar o caldo emocional da competição, com a vontade de vencer, o prazer de jogar e torcer e tudo o mais que é inerente à disputa, é também a mesma fantasia que vai destronar o sujeito de suas ilusões – em caso de derrota, claro. Na vitória, normalmente, tudo vai bem, obrigado.
Pois bem,  voltando ao segundo parágrafo, me dei conta do meu incômodo, e era tão simples quanto profundo: me peguei tomado pelo sentimento de derrota. Compreendi que a derrota de um time infantil tinha o potencial de provocar abalos no narcisismo do adulto. Em sua expectativa de vitória, já que uma competição infanto-juvenil termina por se configurar numa série de projeções das vontades – e ilusões – de todos nós, familiares e profissionais, em cima das crianças. Uns mais, outros menos, mas ninguém foge a isso se estiver participando de verdade. Quero dizer com isso que a vitória e a derrota são, no mais das vezes, tomadas pelo adulto como suas, também.
Resolvi admitir o golpe. Contei como mais uma descoberta que a infância me impõe. Deduzi que era preciso um quantum de tempo para poder me refazer. Que o mais importante era poder mostrar-me ferido aos alunos-jogadores, mas sem perder a firmeza e – jamais – a elegância desportiva. “Tamo junto“, é o que eles exigem em seus olhares profundos.
Olhei mais uma vez para os pais na arquibancada. “Eles também sentem“, pensei. Por isso, a necessidade da reflexão. Para ampliar as possibilidades de compreensão de acontecimentos deste tipo e conseguir acumular novos repertórios pedagógicos e (por que não?) existenciais. Costumo brincar que as crianças nos apresentam pequenos grandes dramas. É preciso olhos de ver.
A dor da derrota deve servir para algo mais do que culpar o juiz, culpar a si, ao treinador, ao craque que não foi bem, ao perna-de-pau que atrapalhou, ao azar. Suponho agora que é justamente a capacidade de elaborar (digerir, assimilar) a derrota o que irá facilitar o acesso a um sentimento de tranquilidade e confiança para tentar de novo, para jogar de novo sem o peso de fantasmas desnecessários, para efetivamente reagir. Essa construção podemos transmitir às crianças e aos adolescentes, mas isso só vai ser efetivamente útil se não for mero discurso pronto, mas resultado de algo tomado como verdadeiro pelo adulto.
Sem desespero, nem tampouco negação. Admitir a dor da derrota talvez seja uma das bases da verdadeira coragem.
Aquele abraço, saudações esportivas

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