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A infância e o mundo virtual (1)

Percebi em mim como um tique nervoso: toda vez que encerrava uma ação, colocava a mão no bolso em busca do celular. Digo, para qualquer segundo vazio passou a existir um gesto automático, à minha revelia – procurar o celular para… para quê, mesmo?

Essa foi a pergunta que precisei fazer diante deste novo ato reflexo, que passou a me incomodar profundamente. O vício de olhar para a tela, não à procura de algo que eu realmente precisasse, mas, assim como entendi: à procura de ser chamado por alguém.

Em tempos corridos, já não posso dizer que é um debate exatamente novo, mas percebo como um conflito dentro de muitos de nós. Pego no celular? Não pego? Preciso desta informação / app / resposta, AGORA?

Evidente que a resposta, para a imensa maioria das vezes nas quais consigo parar para pensar antes do tique nervoso, é um firme e sereno “não”. Pois bem, precisei buscar mecanismos para usar melhor o telefone(?!) celular, no lugar de ser usado por ele. Tenho exprimentado ideias e dicas como: descartar notificações de todas as redes sociais; carregar um livro agradável sempre a tiracolo (para os instantes vazios); voltar a utilizar um relógio como despertador (para não acordar lendo mensagens); desligar o celular ao dormir; fazer refeições com ele desligado ou em modo avião, etc. A ideia é acessar, no lugar de ser acessado.

Superadas as primeiras horas e dias de angústia em saber se estavam precisando muito de mim a cada instante, se eu estaria perdendo um evento ultra maravilhoso, ou se alguma tragédia iria acontecer sem que eu fosse imediatamente informado (e compartilhasse isso com o mundo), comecei a sentir um alívio. Uma diminuição da tensão diária.

Para minha surpresa, eu continuava sabendo das coisas que queria ou necessitava saber; creio não ter perdido até o momento nenhum evento maravilhoso (que eu realmente quisesse estar); e as tragédias – especialmente as cariocas -, bem, as tragédias nos chegam  com ou sem celular. E as pessoas, nos campos pessoal e profissional, continuam, até onde eu sei, conseguindo falar comigo as coisas realmente importantes. Ou sutilmente cotidianas. Passaram até a me telefonar novamente.  =)

O desejo de desfrutar desta sensação de alívio das informações ganhou espaço e passou a reivindicar mais de mim. Para ações triviais, como ir à padaria ou ao supermercado num final de semana, tenho ido sem celular. Para ir à praia, ao bar assistir futebol e praticar esportes, idem. Ou ao cinema. Enfim, atividades que tenham um tempo razoavelmente previsível e nas quais já se esteja com quem se quer estar (ou a sós, por que não?). Voltei a dar aulas de futebol com o celular no lugar certo: a mochila no vestiário, salvo necessidades realmente urgentes para papais e mamães em aflição.

Tenho tentado educar a mim e a meu aparelho, que agora parece mais tranquilo e menos um bicho raivoso e tirânico a me solicitar a cada instante. É uma espécie de combate infindável, no qual, naturalmente, cada um vai ter que se haver com isso à sua maneira se, como eu, se sentir afogado num mar de lixo virtual. Não se trata de negar os benefícios virtuais ou ser refratário à tecnologia. Sinto como um ajuste necessário.

Creio que precisei relatar esta experiência por ter percebido, de modo ainda mais intenso, a relação infanto-juvenil com a tecnologia – ao tentar reeducar minha própria experiência virtual. Quando o tique nervoso dá um descanso, a percepção de pessoas à sua volta, que estão completamente imersas na telinha, aumenta.

E fiquei me perguntando, além da natural mudança de constumes com o passar das épocas, o que levaria tantas crianças a, como temos visto, se consumirem tanto em celulares e games.

Me ocorreu, além da identificação óbvia com o modelo que tem sido oferecido (adultos full time no celular), que crianças e adolescentes precisam, para dar sentido às suas vidas, de aventuras. Imaginar, viver, descobrir o mundo. Se muitos deles estão correndo tanto para o mundo virtual em busca destas descobertas, é sinal de que não estamos oferecendo possibilidades suficientes no mundo real – mas apenas simulacros. Esta é uma hipótese que pretendo sustentar.

Sobre este tema específico, vou escrever na próxima postagem.

O link abaixo, uma entrevista da ‘ciber-antropóloga’ norte-americana Amber Case, que tem estudado estas questões, me ajudou nestas reflexões:

https://brasil.elpais.com/brasil/2017/12/05/tecnologia/1512483985_320115.html

Aquele abraço, saudações esportivas.

This Post Has 6 Comments

  1. Estratégias bem-vindas, porque não fomos educados pra isso, né… A molecada pira, e precisa de ajuda pra lidar melhor com esse mundo… Acredito que nossa ajuda é fundamental, e isso diz de como nós, adultos, vivemos o mundo virtual. Grande abraço!

  2. Não dá para mudar o mindset de uma geração…mas dá para incluir alguns hábitos que podem compensar a lacuna do mundo real.
    O esporte cumpre bem este papel…
    Mas..a Liberdade Responsável é o melhor remédio. Tudo tem que ter consequência, seja um benefício ou uma perda.Não adianta tirar Wifi..celular, game e etc…sem deixa-los entender o peso das consequências…Eles com o tempo vão fazendo suas escolhas .

    Imagine se nós temos dificuldades em desconectar das redes sociais..tendo trabalho e responsabilidades…como podemos cobrar um comportamento diferente deles sem estes deveres?

    Só fazendo eles sentirem/entenderem as consequências dos seus atos…Tais como Engordar,não ter namorado(a),não saber conversar,não se enturmar nas festas…perder as férias escolares , etc… Estas são as consequências que doem, mais que os gritos e as proibições exacerbadas…LIBERDADE RESPONSÁVEL É UM SANTO REMÉDIO !!

  3. Anônimo Bebeto disse…
    Excelente artigo!

    Que puder ler graças ao meu celular…rsrs
    Tenho procurado limitar, ao menos à noite, e é uma guerra…
    Obrigado, pelas ótimas reflexões e parabéns por estar se (re)educando”…

    Abç

  4. Rodrigo, também tenho procurado usar de algumas estratégias para que o celular, tão útil, não se torne algo que atrapalha, em vez de ajudar. Silencio grupos, saio de alguns nas férias, deixo quase o tempo todo na vibração, deixo-o fora da minha visão e alcance enquanto trabalho. Andei desligando para dormir, mas estava me esquecendo ultimamente! Quanto às crianças e adolescentes, o celular, o computador e os games, é tema importantíssimo que merece mesmo estudo e reflexão. Noto que meu filho não quer ficar um segundo à toa – qualquer tempo livre é celular, jogos ou vídeo no YouTube sobre jogos. Ele tem um limite de tempo por dia para isso, mas não sei se adianta muito… A cabeça fica lá o tempo todo…

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