Agora vai

Por Rodrigo Tupinamba Carvao
em 18/02/2016 |
Categorias: Sem categoria
Caros (as),
Com o fim do (extenso) período de festas no país, parece que agora vai. O retorno ao período escolar movimenta a garotada, a cidade, e mexe com o imaginário das famílias. Já não é novidade a agenda intensa de meninos e meninas desde o final do século XX, e talvez a percepção daquilo que muitos viram como uma aceleração do tempo infantil já soe normal. No entanto, creio que cabe refletir sobre os dilemas das agendas infanto-juvenis, no sentido de se pensar o porque de fazer esta ou aquela atividade.
Não é demais lembrar que a noção de infância, assim como a concebemos atualmente, é razoavelmente recente na história humana, com cerca de duzentos anos. Como costumamos lembrar, a infância não é um dado – ao menos exclusivamente – biológico. Ela é uma ideia, social e culturalmente construída em determinado contexto que não cabe aqui aprofundar, mas que remonta à primeira Revolução Industrial e mais atrás, segundo historiadores (Philippe Ariès notadamente), tributária do próprio surgimento da história da vida privada das famílias – pelos séculos XV e XVI. 
Mas por que se valer de dados históricos tão distantes se o que vale mesmo é o pragmatismo da coisa, a hora de chegar e sair, quem busca, quem leva, quanto custa e… e… e pra que mesmo que o fulano precisa fazer isto ou aquilo, hein? Este é meu ponto. Talvez, por trabalhar de perto com a molecada, eu me sinta particularmente sensibilizado ante os anseios, dúvidas e preocupações que seus olhos insistem em mostrar. Explico.
Foi-se o tempo em que, a um menino ou menina comuns, bastava ir à escola, fazer o dever de casa e ficar com o tempo livre para brincar – isto já é sabido. Ao menos pelo que tenho visto e ouvido, a rua já não é mais o lugar essencial das descobertas. Motivos como o medo da violência nas grandes cidades brasileiras, a ocupação dos espaços pelos carros e as novas configurações de família e trabalho (que demandam e organizam o tempo disponível) levou-nos à presente noção de ocupar as horas infanto-juvenis com afazeres e aprendizagens diversas. Creio que falo de algo vivido, estranhado, e hoje aceito pela maior parte das famílias de classe média e alta.
É evidente que, num plano mais amplo, o atual panorama ao qual me refiro pode e deve ser questionado. Pode ser visto como um sintoma de cidades que não sustentam uma qualidade de vida (por questões diversas) que permita o acesso livre da garotada às ruas e ao tempo livre – e quais seriam as implicações sociais, culturais e subjetivas disso tudo. Progresso não significa fazer mais coisas cada vez mais rápido, disse certa vez um sábio. Além disso, a promessa tecnológica de liberar os pais de ‘x’ horas de trabalho para se dedicar à família e ao lazer parece que ficou pra depois.
No entanto, sem perder tais questões de vista, vale pensar, dentro do quadro atual, qual o sentido que move as famílias a matricular o fulaninho nesta ou naquela atividade. Estou falando da escolha das atividades em si, bem como da quantidade delas. Penso no dilema que os pais enfrentam, muitas vezes pressionados por um ideal de eficiência que, a meu ver, pode ser causa de sofrimento. Quero dizer com isso que, se o cenário atual é o dos afazeres infantis cronometrados, que ao menos tais afazeres sejam plenos de sentido, para a criança e para a família.
Quando falo em sentido penso na infinidade de especialistas das mais diversas áreas, que insistem em determinar o que uma criança ou um adolescente precisam saber e fazer para crescerem saudáveis e com a aptidão social necessária. E em como as famílias podem comprar isso a torto e a direito, muitas vezes receosas de afirmarem seus próprios valores, seu pensamento intuitivo e seus ideais. Causa estranheza perceber que as consultas ao Google competem em pé de igualdade com a outrora infalível intuição materna. Afinal, quem sabe do que uma criança precisa para ser feliz? 
Me lembro de Gilberto Gil, na canção ‘Eu preciso aprender a só ser’
Sabe, gente
É tanta coisa pra gente saber
O que cantar, como andar, onde ir
O que dizer, o que calar, a quem querer
Muito mais do que possamos imaginar, crianças e adolescentes se ressentem (como os adultos) de algo que empreste sentido às suas atividades. Não se trata de o menino mimado mandar e desmandar e escolher tudo o que vai fazer, mas sim de um diálogo aberto, com as regras e valores colocados na mesa. Como professor, procuro ficar atento se confio no que estou transmitindo à turma, se aquilo é também verdadeiro pra mim – se tem, enfim, um sentido. Um conceito que funcione muito bem para o time profissional do Barcelona pode não funcionar numa turma adolescente, então tenho de abrir mão de um ideal em prol de uma aprendizagem que contemple também o universo lúdico e afetivo, por exemplo.
No fim das contas não se trata, em absoluto, de adotar uma postura obscurantista em relação à evolução das coisas do mundo; mas se trata, sim, de poder confiar – ainda e sempre – em nossa maneira particular de enxergar o mundo e viver a vida. A molecada costuma responder bem quando percebe confiança e sentido no ambiente em que vive.
Aquele abraço, saudações esportivas 

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9 Comments

  1. Davy fevereiro 18, 2016 at 8:59 am - Reply

    Rodrigo: Li os dois últimos artigos – o do Carnaval X Futebol eu não tinha lido ainda – e achei os dois EXCELENTES, EXCELENTES, EXCELENTES.
    Meus parabéns. Você está cada vez melhor. Cada artigo seu vai mais longe que o anterior.
    Parabéns mesmo!!!
    Enorme abraço.

  2. Estêvão Kopschitz Xavier Bastos fevereiro 18, 2016 at 9:31 am - Reply

    Muito bom!

  3. Estêvão Kopschitz Xavier Bastos fevereiro 18, 2016 at 9:36 am - Reply

    Compartilhei no Facebook.

  4. J. fevereiro 18, 2016 at 11:01 am - Reply

    Ótimo texto no Blog!
    Sua escrita está cada vez mais fluida, concatenada, sem ser chata!
    Parabéns!

  5. Rodrigo Tupinambá Carvão fevereiro 18, 2016 at 11:02 am - Reply

    Valeu, pessoal!

  6. Rodrigo Tupinambá Carvão fevereiro 18, 2016 at 11:02 am - Reply

    Valeu, pessoal!

  7. Anônimo fevereiro 22, 2016 at 4:01 pm - Reply

    Realmente Rodrigo.
    Vejo MT os pais insistirem na excelência das habilidades e esquecerem q " a gente aprende brincando c + prazer"…
    E MTS vezes a gente se vê "pecando" em querer fazer d nossos filhos gds pessoas, integradas, "mega isso ou mega aquilo"…. Causando tanta ansiedade e tanta frustração d ambos lados…
    O q penso é sempre respirar e tentar segurar nossos desejos e tentar ouvir e respeitar + o jeito d nossos filhos….e respirar + um pouco…
    Kkkk
    Valeu o tema super pertinente!
    Sucesso!

  8. Anônimo fevereiro 24, 2016 at 3:41 pm - Reply

    Gostei muito Rodrigo dessa postagem. Como sempre você nos presenteia com assuntos interessantes e atuais.

    Estou passando por isso agora com o meu filho. O pediatra disse que ele tem que fazer futebol para se socializar e para ter uma vida mais saudável. Por outro lado, meu filho diz que não quer continuar no futsal, pois diz que não ama jogar futebol. Cá estou naquele dilema em agradar meu filho ou fazer o que os especialistas sugerem.

    Muito obrigada por suas considerações que me fizeram refletir.

    Abraços

  9. Rodrigo Tupinambá Carvão fevereiro 24, 2016 at 3:42 pm - Reply

    Pois é, o Futsal não detém o monopólio da socialização na infância, não é mesmo? Outras atividades que ele goste podem ajudá-lo muito mais!

    abraço!

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