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Amor de professor

O professor se esforça. Cumpre o planejamento e as estratégias à risca, explica o treinamento com afinco. Fala manso, pertinho, fala alto, de longe. Gesticula. A meninada faz assim, assado, um pouco certo, um tanto errado. O professor é paciente e competente, explica quantas vezes necessárias, começa a suar, franze a testa.

Depois das estratégias, do treinamento em si, o jogo, a prática, a expectativa dos resultados após tanto trabalho. Uma aula, duas, três ou mais, o resultado técnico-tático específico fica abaixo do esperado. O professor não perde o rebolado, tampouco fica bravo. Mas sua testa, num franzido quase permanente, denuncia seu estado de angústia.

Aqueles dentre nós, comprometidos em alguma instância com a ética do trabalho, exigem de si mesmo resutados palpáveis, visíveis, de seus esforços. Para além das recompensas financeiras ou do cumprimento de conveniências burocráticas necessárias, faz pressão sobre nós essa instância superior, a qual ficamos submetidos – por escolha própria. Acredito que a exigência ética a que me refiro esteja, inequivocamente, atada a um sentimento amoroso.

Pode ser proveitoso investigar a natureza desse amor.

O desejo de admirar sua própria obra (a demonstração de aprendizagem por parte dos alunos) é legítimo. É o que dá retorno e estímulo para que todos ali, comprometidos com uma determinada ideia, avancem para novos desafios, e o que garante ao mestre que está no caminho certo. Mas será que isso é tudo?

Trabalhar com educação é trabalhar também com o sensível. Há o que se vê – ou o que se vê mais rápido – e o que não se vê no instantâneo da foto, do flash, do gol. O essencial invisível aos olhos, como naquele livro famoso. Camuflados nas entrelinhas das aprendizagens visíveis, que tanto preocupam o professor da história, existem outros rios correndo.

O controle dos processos de aprendizagem é fundamental para atingir objetivos pedagógicos mais evidentes. No caso desportivo, ensinar a jogar futsal. Há uma programação e uma projeção de tempo x. No entanto, se desejamos contribuir com a educação do aluno de maneira mais profunda – e isto é possível e desejável nos processos educativos -, estamos falando sobre como colaborar com seu amadurecimento nas instâncias subjetivas, nas camadas mais profundas de sua existência.

Neste sentido, é preciso outra relação com o tempo e com a angústia do não-saber que a criança evoca no adulto. A angústia do professor, em não ver refletido aquilo que transmitiu com todo esmero, é uma dúvida sobre si mesmo, sobre sua capacidade. Voltando à questão do amor, é o amor-próprio que fica em jogo aí. “Será que sou bom nisso?”, pergunta-se o mestre em algum recôndito da consciência.

O tempo de errar e assimilar as estratégias, a ponto de apresentar uma mudança mais sólida de comportamento observável, é o tempo da apropriação subjetiva da proposta, de imprimir a ela uma marca e um ritmo pessoais, bem como um significado. Como professor, sustentar a angústia da insegurança e do erro é fundamental para que o aluno consiga mobilizar processos psicomotores mais profundos nas aulas e, para além de atingir esta ou aquela destreza, consiga amadurecer aspectos pessoais fundamentais, como: confiança, prazer, perseverança, vivênciar a frustração e aspectos da socialização.

Nos dias corridos de hoje, cobra-se muito de crianças e adolescentes para que aprendam isso e aquilo no tempo tal, exato. Quando isto ocorre, o custo é uma aprendizagem pouco significativa, mecânica, que não se mostrará sufucientemente forte diante de exigências mais intensas, reais, porque a pessoa não pôde construir uma relação afetiva e significativa com aquela aprendizagem (seja ela intelectual, motora, psicossocial). Fica oca.

O interessante a constatar é que o aluno dá, ao professor, a chance de amadurecer neste processo. Pois ao apresentar-se falho, imperfeito, o primeiro oferece ao segundo a possibilidade de lidar com sua própria insegurança. Uma insegurança que só será vencida, ou minimizada, se for possível suportar, insisto, este tempo da incerteza – sem querer atropelar o processo para chegar a alguma coisa mais rapidamente observável.

Quando isso acontece, o mestre querido pode despreocupar-se de si, relaxar um pouco e experimentar outro tipo de amor, mais maduro, na relação com os alunos: o amor de sair de si, como quem diz: “Eu confio em você”.

Aquele abraço, saudações esportivas

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