Aquele olhar

Por Rodrigo Tupinamba Carvao
em 28/05/2025 |
Categorias: ChutebolFutsal

É um rapaz bom de bola, claramente querido pelo entorno: colegas, pais, familiares.

Tem traços simétricos, transparece uma beleza em seu rosto. Parece de bem com a vida, ter todos os recursos necessários (afetivos e materiais) para fazer sua jornada com relativa tranquilidade.

É notório que vive recebendo elogios (gente fina, bom de bola, bom de surfe), cercado de um mundo bastante agradável.

Até que entra outro esporte no meio; e um treinador, talvez um pouco chato.

*

O rapaz tem uma função a cumprir. Uma não, algumas. Para fazer parte de uma equipe, em especial em momentos competitivos, há outras exigências. Lembro que ele é bom de bola, mas isso não é o suficiente. Ele sabe jogar ‘do jeito dele’ – mas já não é mais o suficiente.

O menino leva um bronca, duas, três. Parece não entender o que está acontecendo. Seu olhar denuncia uma raiva – que talvez seja bem-vinda, pensa o professor.

*

O esporte não se importa. De onde você vem, o quão bonito você é, quais as posses de sua família ou o cara gente fina que você é.

Talvez em especial nas classes média e alta, munidos de tantas virtudes, é comum que alguns meninos passem realmente a acreditar que já sabem tudo; ou que não precisam de mais nada; ou que com um belo sorriso e uma camaradagem irão resolver qualquer questão.

Um Ideal de Eu vai se erigindo e, falsamente, acreditando ser inatacável – até alguém apontar que “não, não é assim“. Uma vez, duas vezes, quantas vezes for, se estivermos falando de um processo realmente educativo.

Não se trata de ter ou não ter razão, mas de a criança ou adolescente, nestas condições, poder descer do pedestal imaginário, ralar a bunda no chão e comungar das dores mortais de todos que estão em quadra suando.

Este convite à realidade, num processo de educação esportiva, se tiver apoio da família pode levar a ganhos sociais mais amplos, na medida em que o sujeito pode realizar uma necessária operação na imagem de si que ele acredita que precisa sustentar.

Não, ninguém é isso tudo. É muito legal ter qualidades, virtudes e um ambiente favorável mas, em absoluto, para aqueles que estão dispostos a viver de verdade, não há garantias.

*

A raiva no olhar é benfazeja. Não é para ser revidada, mas acolhida. É por ela que a realidade entra, que toca o coração daquele que se julgava inatingível. “Você é uma pessoa comum“, foi o que soou aos ouvidos.

Ferir o narcisismo, nestes termos (em processo, não de maneira vingativa ou aleatória), tem a função de fazer avançar, usar a agressividade para poder buscar alguma coisa, nem que seja uma resposta a esse treinador; nada está ganho, não existe jogo ganho, todas as suas qualidades não fazem de você – nem de ninguém – uma pessoa com a vida ganha.

Nos termos em que estou tentando colocar, uma boa refrega no futebol é capaz de mexer com estruturas internas importantes, que de outra maneira dificilmente seriam mexidas dadas as condições ambientais neste tipo de situação.

O esporte pode ser um sopro de vida real para aqueles que, tendo sido bafejados pela sorte, acabam por ficar encastelados em seu próprio imaginário. No longo prazo, pode-se colher vento.

*

O menino passou a dar outra resposta em quadra. Falava menos, concentrava-se mais.

De sua vida familiar e social, mais não sei.

Mas sei que aquele olhar de raiva, aquele primeiro de todos, foi extremamente importante.

A vida real é de quem se joga.

 

Aquele abraço, saudações esportivas

Compartilhe essa história!

Deixe um comentário

  • Amor de professor

    O professor se esforça. Cumpre o planejamento e as estratégias […]

  • Questão de confiança

    Prezados (as), Muitas vezes, quando o telefone toca, do outro […]

  • Muito difíceis

    O trabalho de educar crianças não é nada fácil. Embora […]