Bolhas
É muito importante, para crianças e adolescentes, que possam usufruir dos espaços públicos da cidade, pois isto afeta, de maneira positiva, o processo de socialização. Esta não é algo, digamos, natural. Muito embora escutemos aqui e ali que o humano é bicho sociável, isso só se dá a contento a partir de determinadas condições. Muitos utilizam, mesmo, o termo ‘humanização’, para se referir à soma da formação da subjetividade com uma inserção social satisfatória. Um gato, já nasce gato. As pessoas se humanizam aos poucos.
Voltando ao primeiro parágrafo, percebo, atualmente, um predomínio excessivo do convívio social infanto-juvenil nos espaços privados. Refiro-me às classes média e alta. Evidente que não há mal algum nestes lugares (escolas, shoppings, cursinhos, casas de festas, etc), os quais as pessoas também podem aproveitar. Mas as ruas, parques e praças são, por excelência, locais que propiciam o convívio com uma diferença mais profunda – de classes sociais, maneiras de se colocar, jeitos de ser, sutilezas outras que vão enriquecendo a personalidade do sujeito. (Nos estratos mais pobres da população, a percepção comum é justamente a oposta: é preciso tirar as crianças das ruas, para distanciá-las do mundo do crime).
Existem algumas razões para este predomínio dos espaços privados. A primeira e mais evidente é o medo da violência, absolutamente justificado. Se brincar na rua não é seguro, então não se brinca na rua. Outro motivo, não tão incisivo como a violência mas que também influi, é simplesmente a enorme quantidade de carros em trânsito, que tomam atualmente até as ruas menores, mais próprias para o convívio infanto-juvenil (muitos estudiosos têm apontado este fator como relevante). Um trânsito muito intenso, além dos problemas de mobilidade que conhecemos, é ainda por cima danoso à apropriação da cidade pelas crianças. Dá medo.
Um último fator, e talvez o mais importante, seja o próprio imaginário social. A ideia de que pagar para usufruir por todos estes serviços privados resolve o problema da educação, é falsa. Pois se admitirmos, grosso modo, que a educação é a soma das habilidades individuais (cognitivas, motoras, afetivas) com a socialização, se esta última fica reduzida em suas possibilidades, uma parte do processo fica capenga. Por mais que se preencha o tempo infanto-juvenil com cursinhos, deveres e afazeres, isso não é garantia de boa educação, e os países avançados nesta área já descobriram isso. Evidente que as condições de vida, nestes países, são outras.
Enfim, as pessoas vão continuar se socializando. É um ativo da espécie, seja em espaço público ou privado. O que desejei chamar a atenção foi para a qualidade deste processo. Abrir mão, ou menosprezar os espaços públicos neste caminho, significa fazer pouco de valores como a solidariedade, o reconhecimento das diferenças, a sagacidade e outros refinamentos das habilidades sociais humanas.
Que o mundo atual, com suas demonstrações inequívocas de narcisismo desmedido e intolerância – convenhamos – não deveria menosprezar.
Aquele abraço, saudações esportivas
Meus parabéns pela reestréia!
Excelente artigo!
Enorme abraço
Belo texto, Presida
Ótimo, como sempre, Rodrigo, obrigado. O medo da violência é o motivo mais óbvio, além do trânsito nas ruas movimentadas, mas a ocupação das ruas mais tranquilas por carros estacionados é algo a que não se dá a devida importância, mas, certamente, é um inibidor do uso da rua como espaço de lazer.
Outra coisa que se perde é o sentimento de que a cidade é nossa, é de todos, é minha. Ela não é mais nossa, não é de todos, não é minha. Perdi parte do direito que tinha sobre ela. Inclusive os mais pobres perderam. Como você bem observa, querem tirar os filhos das ruas – traduzo: gostariam muito de pô-los em espaços privados…
Mas, como disse, vamos continuar nos socializando.
Muito boa a exposição; fica um dilema, em proteger, ou deixar viver as realidades, num mundo onde as realidades são individuais e contraditórias, seguras ou violentas, famintas ou satisfeitas. Numa faculdade como a Uerj, o interessante em nossa turma foi exatamente a junção de realidades, de bairros, de raças, de culturas, e o mais bonito e satisfatório, o convívio pacifico, o respeito as individualidades, e a empatia com a situação de todos. Forte abraço.
Rodrigo,
Muito Bom!!!! É isso aí, ampliar as relações, participar do meio social e principalmente se mostrar frente ao mundo enfrentando seus fantasma e fortalecendo o seu "EU" interior.
Beijos,
Maria Xavier
Isso aí!