Competir, arriscar
Caríssimos (as),
As competições infanto-juvenis, nas diversas modalidades esportivas, fazem parte da vida de muitas crianças e adolescentes. Muito exaltadas por seu potencial educacional na cultura ocidental, elas, no entanto, vieram sofrendo críticas aqui e acolá de muitos profissionais do esporte (e aí me incluo) nas últimas décadas – pela percepção de que passou a existir um excesso no estímulo competitivo. Ao invés de fazer bem, muitas vezes fazia mal aos desportistas mirins. Muita gente viveu (e vive) esta experiência ruim. Isto é um ponto.
Pois bem, a partir daí puderam surgir concepções alternativas, projetos não necessariamente competitivos, novos discursos pedagógicos e familiares sobre vitória e derrota, etc. Enfim, ao menos nos espaços sociais aonde esta reflexão foi possível, as atividades físicas e/ou desportivas puderam ser discutidas em seu sentido e finalidade. O Chutebol, por exemplo, surge daí. Isto é outro ponto.
Pretendo, no entanto, fazer um terceiro ponto.
Me parece importante poder falar sobre isso pois, muitas vezes, os pais ficam carentes de orientação, já que este é um assunto que, na maior parte dos casos, passa batido, ou é abordado pela via dos estereótipos de sucesso e fracasso; ou do velho e cansado ‘o importante é competir‘ – o que pode ter algumas consequências para crianças e adolescentes. Creio que exista uma pequena confusão, atualmente, no cenário acima exposto.
Em minha hipótese, no afã de combater os excessos que citei, muitos lugares aonde se praticam esportes e atividades físicas em geral (escolas, clubes e academias), passaram a simplesmente evitar, em suas práticas, o momento da competição. Ou desvalorizá-lo. Foram criadas alternativas, atividades, discursos: todo mundo é vencedor, todos são iguais, esse jogo não vale troféu, não vale ponto, é só pra se divertir, ninguém é melhor que ninguém, etc. Me peguei pensando.
A agressividade inata, esta espécie de quantum afetivo que todos carregamos, pede passagem desde que nascemos. Vai sai se mostrar de alguma maneira. Avançar sobre o mundo é, em certa medida, conquistá-lo. Ao longo dos milênios, e longe de esquecer que a jornada humana também é feita de guerras e destruição, foi possível um refinamento: físico, psíquico, intelectual, social. Os jogos, e por consequência os esportes, são uma sofisticada construção simbólica de nossa necessidade em afirmar uma certa potência de vida. A possibilidade de derrotar o oponente sem destruí-lo é uma notável realização cultural da humanidade.
Ocorre que agressividade é uma coisa; violência, outra. Esta é, a meu ver, a confusão que se estabeleceu. Na legítima tentativa de proteger crianças e adolescentes dos malefícios de um estresse competitivo mal orientado, corre-se o risco de – perdoem o clichê – jogar o bebê fora junto com a água do banho. Ser capaz de fazer uso da própria agressividade é uma tremenda conquista infantil que vai dar ao sujeito, como retorno, a noção de sua capacidade de agir sobre o mundo. Ora, dentre as infindáveis formas humanas para que isto aconteça, não seria o jogo/esporte, em seu momento competitivo, um lugar mais que apropriado para despejar e elaborar o sentido desta força? Sim, é claro. Para que isto aconteça, é preciso que esta mesma agressividade se transforme em violência? Evidente que não.
Furtar ao sujeito a possibilidade em se deparar com limites expandidos da própria potência, da própria agressividade, é indutor de um bom amadurecimento psicomotor? Não creio. Fazê-lo renunciar à vontade de vencer e se superar (a si e ao adversário) é o que fará dele um cara educado? Também não creio. Impedi-lo de se defrontar com a angústia – e a dor – da derrota o protegerá ou, ao contrário, inibirá a necessária e estruturadora vivência das frustrações? Tais são questões que se colocam. Mas então, diante da estupidez com que muitas competições e grupos desportivos se apresentaram e se apresentam, que fazer?
Entendo que não é preciso renunciar à competição, mesmo nos momentos mais duros, para conseguir balizá-la, dar a ela uma borda decente, pedagógica. Digo, entre a brutalidade e a ingenuidade diante daquilo que é humano, é possível trabalhar. Não se trata de negar, mas sim de como e quando competir. Quais são nossos parâmetros?
Acredito que as brincadeiras e as disputas possam (devam) coexistir. Do universo lúdico ao esporte de rendimento, passando pelo jogo simples, a pessoa pode, se for a ela oferecida a chance, ir se equipando para competir dentro de certas premissas, como por exemplo a adaptação à idade, à intensidade e mesmo ao uso das regras. Gosto da ideia de uma progressão estruturante, partindo do universo lúdico e avançando, com o objetivo de permitir ao sujeito, na hora H, do frio na barriga, estar razoavelmente confiante. Com uma estrutura corporal, mental e emocional de onde possa extrair recursos para atravessar os momentos de dor e revés; e de – ufa! – poder, merecidamente, afirmar-se e gozar da vitória. Da Educação Física escolar, passando pelas escolinhas desportivas, até às federações.
Além disso, e não menos importante, está o cultivo de uma ética e de uma estética. Aí, mais que nunca, é fundamental a atitude de pais e professores. É com quem os meninos e meninas poderão se identificar. Como reagir quando perde, quando se sente injustiçado, quando a vitória escapa no final; como comemorar sem debochar, como extravasar sem perder a elegância e o fairplay? Como ser solidário sem abrir mão da legítima vontade de vencer? Nós, adultos, estamos lidando bem com tudo isso, conseguimos sustentar tais angústias sem sucumbir a elas? São muitas e belas as questões e os fundamentos de uma boa refrega.
Muitos de nós ficamos resmungado, aí pelos cantos, que a molecada de hoje é super protegida, que sabem muito de games mas não têm a sagacidade de outros tempos. Pois a competição bem orientada é prato cheio para a fome de viver que, por certo, todos eles sentem. Competir é arriscar-se.
Aquele abraço, saudações esportivas
Boa reflexão.
Rodrigo,
Sua ideia de transformar seus textos em Livro é excelente!!! Vai fundo!!! Este gancho de futebol e pedagogia é muito bacana e apropriado. Com certeza muitos pais terão, ou deveriam ter, interesse. O futebol, esportes em geral, são ótimas vivências que podem ser transferidas para praticamente tudo nas nossas vidas.
E como te disse: Vc escreve muito bem!!
Parabéns pra você. Esse artigo é primoroso.
Abração.
Valeu! =)
Concordo com vc Rodrigo e ficamos muito satisfeitos e tranquilos por termos nosso filho sob sua orientaçao!
abraços, Andréa e Antonio
Puxa, obrigado! 🙂
Puxa, obrigado! 🙂
Puxa, obrigado! 🙂
Excelente texto, Rodrigo! Ao matricular o Vicente na escolinha de futebol, jamais pensei que ainda ganharia "de grátis" tanta reflexão de qualidade e boas dicas e orientações.
Parabéns pelo excelente trabalho!
Um abraço
Cláudia
=)
Valeu!