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Contradições

Caríssimos (as),
É próprio dos poetas e dos artistas, seja pela imagem, pelo som ou pelas palavras, lembrar-nos do contraditório que há em nós. Contraditório que no mais das vezes tem de ficar escondidinho, afinal a vida em sociedade – é fato! – precisa que, de alguma maneira, funcionemos. Ponto. C’est comme ça. Mas é fato também que, aqueles de nós que podem olhar para além do umbigo, que podem se haver com seu próprio disfuncional, costumam ser pessoas que carregam consigo algum mistério, um brilho nos olhos, um borogodó.
E isso dá tanto pano pra manga que não faltam ramos, das ciências e das psicologias, que falam numa patologia do normal, uma espécie de ‘normose‘ – o sujeito normal demais, adaptado demais. Como se nada o alquebrasse, nada ali fosse estranho. Como se isso fosse possível, humanamente possível. Como se haver com tamanha certeza? Como pensar, senão através da dúvida? Pois bem, eu não tenho a resposta. Mas, como havia falado dos poetas nessa questão, trazemos abaixo nosso padrinho adotado (nós que o adotamos), Manoel de Barros, para falar da contradição! Boa leitura!

Um olhar

Eu tive uma namorada que via errado. O que ela via
Não era uma garça na beira do rio. O que ela
via era um rio na beira de uma garça. Ela despraticava
as normas. Dizia que seu avesso era mais visível
do que um poste.

Com ela as coisas tinham que mudar
de comportamento. Aliás, a moça me contou uma vez
que tinha encontros diários com as suas contradições.
Acho que essa frequência nos desencontros ajudava
o seu ver oblíquo. Falou por acréscimo que ela
não contemplava as paisagens. Que eram as paisagens
que a contemplavam. Chegou de ir no oculista.

Não era um defeito físico falou o diagnóstico. Induziu
que poderia ser uma disfunção da alma. Mas ela 
falou que a ciência não tem lógica. Porque viver
não tem lógica – como diria a nossa Lispector. 
Veja isto: Rimbaud botou a Beleza nos joelhos e 
viu que a Beleza é amarga. Tem lógica?

Também ela quis trocar por duas andorinhas os urubus que
avoavam no Ocaso de seu avô. O Ocaso de seu avô
tinha virado uma praga de urubu. Ela queria trocar
porque as andorinhas eram amoráveis e os urubus
eram carniceiros. Ela não tinha certeza se essa
troca podia ser feita. O pai falou que verbalmente 
podia.

Que era só despraticar as normas. Achei certo.”
[‘Memórias Inventadas‘ – As infâncias de Manoel de Barros, 2008]

This Post Has 15 Comments

  1. Rodrigo, queria acrecentar uma coisa nas palavras do Tiago Salem.

    Acho que somos todos Salem (eu, pais e alunos). huahua. De verdade!

    O carinho que voce trata nossa escolinha, a forma séria, divertida e carinhosa com que você leva o Chutebol nos ensina muito. E com bola, que é mais legal.

    Tal como o Tiago, nós, os adultos, estamos em constante formação. E cada informação e gesto que vem pra gente, seja nas aulas, nos bate papos ou nas anedotas, você pode ter certeza, muda e transforma cada um.

    Sinto muito orgulho de fazer parte desse time.

    Vambora!
    abs

  2. Belíssimas (assim, no superlativo) palavras suas e do Manoel. Muito bom ler pensamentos em época tão maniqueísta. Ainda acho que deveria reunir algumas publicações em livro. Quando o fizer, avise.
    Abraço, Bruno.

  3. Adoro ler suas reflexões, palavras, sobre a infância, sobre o humano, sobre as "despraticas", sobre tudo que e tão pensado e exposto com carinho…

  4. Carísimo Tiago,

    Obrigado pelas palavras!

    Posso dizer que foi um prazer conviver contigo todos esses anos (08!).

    Você chegou como um menininho doce e amigo, e se despede como um cara gente fina, corajoso e… amigo!!

    Tua valentia nas quadras é de emocionar. E você sabe como prezo isso.

    É isso aí. O Futebol passou, a amizade fica =)

    Quando estiver de bobeira, apareça para bater uma bolinha…

    Grande abraço

  5. Rodrigo e Tiago,

    Aqui é o Tiago Salem, e eu estou escrevendo para me despedir, infelizmente, de vocês. Por causa dos horários esse ano eu não poderei mais fazer a aula no tão adorado e conhecido Ginásio Mario Márcio. Mas eu achei que eu não poderia simplesmente ir embora sem dizer nada, não depois dos 8 anos que eu passei com vocês, não depois de tudo que eu aprendi com vocês, não depois de terem sido vocês que realmente me ensinaram a jogar futebol.
    Eu quero acima de tudo agradecer vocês dois. São incontáveis todas as lições que eu aprendi de vocês, vocês me ensinaram o que é disciplina, responsabilidade, duas coisas essenciais na vida e que eu aprendi fazendo o que eu mais gosto, jogando bola. E eu não estou falando essas coisas da boca pra fora, vocês tem papel importantíssimo na minha educação e na minha formação como gente.
    Hoje eu olho para trás e vejo o quanto foram bons esses 8 anos e o quanto evoluí dentro e fora de campo. E também percebo que em nenhum outro lugar eu acharei uma escolinha como essa e professores como vocês.
    Obrigado, de verdade, por tudo.

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