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Da espontaneidade

Caros (as),
Muitas das pequenas reflexões ou anedotas que trazemos para este espaço surgem a partir de observações feitas no cotidiano do trabalho com os alunos. Porque, se deve existir uma teoria que embasa este ou aquele trabalho (em nosso caso, as teorias pedagógicas, desportivas e do desenvolvimento infantil), é fato também que as mesmas teorias devem poder se refrescar a partir daquilo que descobrimos na prática – sob o risco de ficarem ensimesmadas, correndo atrás do próprio rabo. Em última análise, perdendo o contato com a realidade das coisas e das gentes. Algo como um arquivo morto, digamos assim.

Digo isto porque, na medida em que algumas observações vão se confirmando em nossas aulas ao longo do tempo, podemos então mudar esta ou aquela maneira de abordar uma aprendizagem; mudar este ou aquele conceito de jogo; ou mesmo uma simples (simples?!) maneira de se relacionar com algum aluno ou turma. Um exemplo? A questão da espontaneidade. Explico.
Não foram poucas as vezes em que pudemos perceber que, ao chamarmos a atenção de algum aluno para que fizesse algum exercício corretamente, a dificuldade dele não era exatamente em compreender aquilo que estava sendo pedido. Mas sim que o hipotético aluno estava, na verdade, muitíssimo preocupado em fazer aquilo que ele achava que o professor queria que ele fizesse. Confuso, não? 
Estou tentando dizer que o mais importante ao apresentar uma atividade para a criança (e acredito que isto transcende os campos de futebol) é proporcionar um ambiente no qual ela possa, num primeiríssimo momento, experimentar a atividade ao seu modo: errando e acertando; falhando e observando os colegas; construindo novas hipóteses. À criança comum, se for dada a chance de confiar em si mesma, tem um desejo natural de acertar, de querer aprender coisas novas. Está explorando o mundo e, no mais das vezes, após algum tempo, confia em si, se apropria do desafio e acerta. Se assim ocorrer, entendo que é um ‘acerto’ pleno de sentidos.
Ao contrário, se já de cara for pressionada por uma resposta cabalmente certa – ainda não tendo tido tempo de se apropriar da atividade -, dificilmente conseguirá confiar em si mesma, transparecendo muitas vezes uma sensação de insegurança. A partir daí, ela normalmente fica tentando repetir identicamente o adulto, pelo medo de errar. No mais das vezes, não consegue. Isso gera uma espécie de paralisia, com a criança meio perdida sem saber o que fazer. Ou fazendo tudo com o corpo enrijecido, sem se arriscar. Tudo isso faz com que ela não possa se apropriar do gesto e/ou do pensamento – em suma, não está aprendendo. Quando esta criança for exigida novamente, ainda mais se estiver sob pressão (um torneio, uma prova), fatalmente falhará. Ou se acertar, será de maneira mecânica, o que não seria problema algum se já não soubéssemos que este tipo de mecanismo enriquece muito pouco a existência do sujeito. Não fede, nem cheira (quando não gera sofrimento desnecessário).
Assim, quando falamos da conquista da espontaneidade, não tem nada a ver com uma ideia boboca de uma vida sem restrições, proibições ou responsabilidades. É sabido que isso também não funciona. Mas tento apontar que, tanto quanto o adulto conseguir acolher uma primeira angústia do ‘não saber‘ (e que pode ser a angústia dele, adulto), tendo fornecido um modelo prévio, mas sem atropelar o tempo da criança, tanto é o quanto a criança vai poder se beneficiar de descobrir as coisas, confiar em si e nas possibilidades do seu corpo. E é evidente que, após este primeiro momento de exploração, o adulto deve estar disponível para ajudar, corrigindo aqui e ali e chamando a atenção se preciso for. 
A capacidade de ser espontâneo é uma tremenda conquista corporal e psíquica. É sinal de saúde e abre as portas para a criatividade e para o verdadeiro diálogo (não uma mera repetição de palavras), além de ajudar o sujeito a se posicionar diante das dificuldades que a vida impõe. A propósito, lembrando: não é a Ciência que nasce da observação e da exploração? 
Aquele abraço, saudações esportivas

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