É assim
Caríssimos (as),
Foi Camus quem falou que devia ao futebol o que sabia sobre a moral dos homens. Me lembrei disso outro dia ao presenciar uma cena adorável entre dois alunos. O jogo havia terminado, a equipe do fulaninho fora derrotada. Ele, inconformado com a derrota, faz muxoxo, pega o Zezinho pelo braço e diz com voz chorosa: “Culpa sua, você tinha que ter me passado aquela bola!“. O Zezinho então, com olhar sereno e tranquilo, se desvincula da mão do primeiro e, olhos nos olhos, diz: “Vida de jogador é assim, cara” – e sai andando. Fulaninho ficou sem reação, pensativo. Ambos mal completaram cinco anos de idade.
Fiquei pensando, dentro do universo da bola, na quantidade de boleiros capazes de admitir o que o pequeno jogador admitiu. “Vida de jogador é assim“. Digo, profissionais ou não, aqueles que jogam e acompanham o futebol têm, muitas vezes aqui no Brasil, uma maneira tacanha de se relacionar com o esporte. É evidente que o aluno acima citado aprendeu isso com alguém (professor, pai ou familiar, suponho); ouviu nalgum lugar; mas sua habilidade em empregar a frase no momento adequado, no calor de uma discussão, bem como sua desenvoltura não deixaram dúvidas: ele se apropriou desta ideia como um valor – a moral a que Camus se refere.
E por que considero isso importante? Porque revela uma certa maturidade do sujeito, qual seja a de, diante do insucesso, destronar-se de seu próprio narcisismo e aceitar aquilo que a realidade impôs. Ele não passou a bola, isso pode ter sido uma escolha boa ou ruim. O fato é que não deu certo e o gol não saiu mas, no lugar de procurar culpados e alongar a discussão (o juiz, o companheiro de equipe ou qualquer outra coisa), bastou a percepção de que o erro e a derrota fazem parte do risco que é jogar. Isso ressoa como um valor moral em si e equipa o sujeito para a vida mais ampla.
Ao contrário, chega a dar desgosto presenciar marmanjos, na pelada ou nos campos profissionais, discutindo feito idiotas em situações parecidas. Como se comportar quando as coisas não saem como desejado? Que fazer diante do erro, seja seu ou de outrem? Com o devido perdão das crianças acima, algo disso sugere uma infantilização na relação com o esporte e seus desacertos. O desespero diante da falha do colega de equipe é, em si mesmo, a incapacidade de olhar para o próprio umbigo – que não deve ser tão bonito assim como a gente pensa. Que fique claro: não pretendo com isso almejar um esporte insípido, inodoro, clean; a polêmica, as discussões e o sangue quente fazem parte, apimentam o jogo. Mas o chilique e o mimimi atrapalham. Passam da conta.
Me parece que este tipo de comportamento destemperado ao qual me refiro é cria de um tremendo medo de perder. É o que representa a derrota, seu significado para o sujeito inconformado. O que será que ele perdeu? O que é tão insuportável na falha? A quem responde, em seu imaginário, o sujeito que se desespera quando é derrotado? Não é à toa que muitos de nós temos presenciado ao longo dos anos, em torneios infanto-juvenis, comportamentos inacreditáveis de pais-torcedores quando seus rebentos não correspondem às expectativas. Isso sem falar nas cenas grotescas nos campos profissionais.
O problema é que não há garantias. O que existe é o risco. Mas justamente aí reside a graça do esporte e a paixão que o futebol evoca. Dos esportes populares, consagrados pela massa, é o mais arriscado, mais sujeito a reviravoltas, a erros trágicos e a jogadas sublimes. É preciso ter isso claro dentro de si para poder ajudar as crianças e adolescentes a usufruírem do futebol da maneira mais rica possível. Portanto, nada de ficar defendido, se escorando nos erros alheios para que supostamente os seus não apareçam.
A boa é meter as caras, chegar na linha de fundo e, se o cruzamento sair torto, levantar a mão e pedir desculpas pra galera e pros companheiros. “Foi mal” é um bálsamo para o bom boleiro – e é aceito por todos como um comportamento decente. Vida de jogador é assim.
Aquele abraço, saudações esportivas
Muito bom!!!
Abraço
Valeu!
Boa!!
É isso aí, um "foi mal" cai tão bem…rsrs
É isso aí, um "foi mal" cai tão bem…rsrs
E como!
Rodrigo, estou muito emocionada… Obrigada por tudo
Este texto deve integrar o livro! É ótimo! Abração!
Muito bom! Parabéns! Entre outras abordagens do texto, o lidar com a derrota é um problema sério atualmente. Somos criados apenas para vencer e quando isso não acontece geralmente arrumamos um culpado.
Boa Tupi!! Agora lá na federação vejo os clubes sem preparo algum pra discutir o tema… E nos casos mais graves, ainda alimentar possíveis problemas
Belo texto Biga. Vida de jogador é assim.
É assim…
acho a aula super bacana e admiro muito o trabalho de vcs com as crianças e com os pais.
O Rafinha tinha 05 anos nesta foto….hoje com 12 anos ainda esta na escolinha…é prova de que o projeto para nós deu resultado. Parabens Rodrigo ,Tiago e equipe…
ABs
Mario
Valeu Mário! O Chutebol agradece o apoio e o carinho! O Rafa é fera!
Impressionante como crianças podem ser mais maduras que muitos adultos, e quem nunca viu esse comportamento de culpar o outro por insucessos profissionais, afetivos e familiares ao invés de conversar e olhar para si mesmo. Culpar sempre alguém faz bem à quem tem medo perder, e dificilmente o "acusado" está pronto para receber essa carga e conviver com ela, fortes são os que usam isso para o seu bem. Excelente texto, parabéns Xará!
Excelente texto, parabéns xará.
Valeu, Xará!
E o que falar da frase dita pelo Cristiano Ronaldo após o término do jogo de agora pouco em que o Real Madrid perdeu em casa para o Atletico de Madrid.
Após derrota para o Atlético, Cristiano Ronaldo detona elenco do Real
'Se todos tivessem meu nível, estaríamos em primeiro', critica atacante
Abraço,
Caro Rodrigão,
excelente lição!! Adorei a passagem e sua "leitura" do acontecimento.
Realmente, a convivência com e no esporte possibilita muitas aprendizagens, claro, para quem fica atento.
Parabéns!!
Forte abraço!!