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Encontro ou fuga

Caros (as),
Virou lugar-comum a queixa dos adultos (pais, mas não só) com relação ao tempo excessivo que muitas crianças e adolescentes passam imersos no mundo virtual – não só pela comunicação facilitada dos smartphones no cotidiano, mas também em seus laptops em momentos que poderiam fazer outras coisas.
Quer dizer, em momentos nos quais os adultos supõem que esta molecada poderia estar fazendo outra coisa. Talvez brincando, jogando, lendo, conversando. Daí que isso tudo vira um enigma, porque, afinal de contas, eles estão realmente fazendo tudo isso – só que no espaço virtual! Aliás, quem não estamos? A imagem acima abusa da ironia: uma prisão em forma de celular. Se reparar bem, tem até um fugitivo…
O fato é que são tempos realmente curiosos. Nem é preciso dizer que estamos em plena revolução do modo humano de se comunicar. A maioria de nós experimenta, diariamente, as benesses e as aporrinhações desta incrível revolução tecnológica. Quem nasceu no mundo pré-internet costuma carregar consigo algumas lembranças do bom e do ruim desse tempo: como era tentar utilizar um telefone público à ficha?; como era tentar falar com um saudoso parente distante?; como era tentar montar uma viagem e correr o risco de não agendar hotel, passagens, etc? Por outro lado, o tempo parecia esticado; dava tempo de sentir saudade; o risco de uma viagem era inerente à ideia de aventura. Os exemplos são infindáveis.
O velho Freud costumava dizer que o aparelho psíquico humano faz de tudo para buscar prazer e evitar o sofrimento. Penso que os nativos digitais, essa leva de gente que não conheceu o mundo sem a internet, busca, assim como a imensa maioria de nós, suas razões para ser feliz. E eles lidam com os recursos que têm e com os quais aprenderam a conviver. Assim, se a escolha de muitos destes nativos digitais (mas só eles??) converge invariavelmente para o mundo virtual, devem ter lá seus motivos. Se não admitirmos isso, entraríamos na querela de tentarmos medir quem é (ou era) mais feliz: os de antes ou os de agora. Me parece uma discussão vã.
Se o que estou falando tem alguma relevância, então é preciso pensar: qual é o mundo real que estamos oferecendo a estas pessoas? Estas, que estão ainda habitando pouco a pouco sua existência, que estão se acostumando aos desconfortos da vida, que tanto quanto nós procuram contornos para depositar seus afetos? Faço estas perguntas porque tenho percebido que, se a internet ainda é um fenômeno recente e avassalador e, por isso mesmo, impacta a todos nós (não estou escrevendo numa máquina de escrever), é bastante impressionante constatar que ela pode ser tanto fuga quanto encontro. Digo: se algum jovem passa tanto tempo olhando para esta tela que me olha de volta, existe algum sentido nisso.
Acredito que o que importa perceber é o significado do mundo virtual na vida do sujeito. Porque se o mundo real fica parecendo desinteressante, a web está aí com todas as suas promessas e atrativos. Basta fazer download. Se uma criança ou um adolescente se sente muito solitário, se ninguém mais desce pro play, se as relações sociais e familiares são carentes de significado, se a rua não é pra brincar, então há outro lugar para existir – qual seja, o virtual. A internet é fuga.
Por outro lado, se a escola é legal, se os amigos estão perto, se existe espaço-tempo para brincar, se fazer as coisas juntos tem algum sentido, se o laço familiar sustenta alguns limites e apresenta o que há de bom na realidade – então há um sentido que acompanha as batidas do músculo cardíaco, este que nos faz gritar de dor e de amor. A internet é encontro
Não adianta, a molecada não vai dar nada de bandeja. Nós também, nunca demos. Temos é que ter sensibilidade e coragem para apresentar a vida-como-ela-é a eles, e ajudá-los, e pedir a ajuda deles também – não só para baixar o WhatsApp no celular. É preciso precisar das pessoas. Se tudo der certo, vamos nos acostumando com essa parafernália eletrônica e dar a ela um lugar de ferramenta, legal e tudo o mais, mas que não substitui o contato humano. Menos abobalhados. Se tudo der certo.
Agora, se não der… bem, aí não sou eu quem vai querer contar essa história. Como disse o velho Sigmund, eu sou humano e também busco minha maneira de ser feliz.
Aquele abraço, saudações esportivas

This Post Has 13 Comments

  1. Olá a todos,

    Bem, obrigado pelo carinho com o Chutebol =)

    É, realmente assusta muitas vezes essa 'imersão' deles na web… mas fico me lembrando de que quando eu era criança, e os primeiros veidogames modernos, da era pós-Atari começaram a chegar, foi um espanto também – um bando de garotos se reunindo para… olhar pra televisão!
    Mas lembro que os pais colocavam limites, tipo a "hora do jogo". Quando aquele momento acabava, a gente tinha de inventar outra coisa. Bem, o ritmo era outro, o estilo de vida era outro, as pessoas tinham mais tempo. Vamos ter de inventar alguma coisa, junto aos limites, para poder desviar essa geração do excesso, não é mesmo?
    Grande abraço

  2. Gostei de suas reflexões. Aceitar a existência do mundo virtual e aprender (refiro-me a nós, primitivos) a lidar com esta nova situação. Um abraço amigo. Nahman

  3. Vc é ótimo! Acho seu trabalho maravilhoso por respeitar o tempo de cada um, por tornar o ambiente agradável e divertido.
    Afinal, temos muito tempo para sermos adultos, e muito pouco tempo para sermos crianças.

    Obrigada Rodrigo
    Um abraço
    Claudia

  4. o mais incrivel e "assustador", na minha opinião, é que eles se reunem na casa dos amigos – 3, 4, quantos forem – e cada um leva seu ipad para jogar. cada um olhando para a sua tela. ok, fazendo comentarios e interagindo de alguma forma que nao me é familiar, pq quase nao se olham… aconteceu outro dia aqui em casa e nao acreditei…

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