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Estupidez

Caros (as),

Nos campeonatos que disputamos temos, muitas vezes, árbitras que dirigem as partidas. E é muito interessante constatar que, se algumas delas cometem os mesmos erros que a maioria dos árbitros (ou outras que podem se apresentar muito mal), tem sido uma grata surpresa quando, ao contrário, temos a sensação de um cuidado a mais com os torneios infantis, no sentido de estarem mais atentas na maneira de se dirigir aos pequenos jogadores, bem como do papel pedagógico que podem (devem) desempenhar ali.

Não é incomum, no entanto, uma impaciência maior da torcida diante dos erros de uma árbitra. Nos torneios mais quentes, inclusive, já houve grito machista do tipo ‘vai pro fogão!‘, em que tivemos que parar a partida para repreender o pai-torcedor bobalhão que não sabia perder.

Daí que um grande amigo me mostrou, no jornalão inglês The Guardian, em Setembro, a matéria (que disponibilizamos no link abaixo) sobre a árbitra da foto. Emily Dyke, de 14 anos (!), é apaixonada por futebol e, além de jogar, gosta de apitar em competições infanto-juvenis. De tanto ser xingada por um torcedor numa partida, ela pediu apoio nas redes sociais para que pudesse prosseguir normalmente com esta atividade em sua vida. Vale a leitura:

http://www.theguardian.com/uk-news/2015/sep/07/schoolgirl-football-ref-asks-parents-to-stop-verbal-abuse

Fiquei pensando na situação do árbitro e na cultura de vaiar o sujeito que é, por excelência, o representante da lei no jogo. Ao menos em teoria é ele o garantidor da própria viabilidade da partida, no sentido de aplicar as regras comuns a todos para que o mérito e o esforço coletivo possam, somados, sustentar um vencedor.

A cultura de ofender o árbitro é realmente muito forte, dado que ele é o primeiro a ser xingado, simplesmente por sua entrada em campo. O torcedor, ao vislumbrar a entrada do cidadão de preto no gramado, dispara com ódio mortal os piores palavrões – já se sentindo traído de antemão por aquele um que, a seu ver, está em campo exclusivamente para prejudicá-lo e ao clube de coração.

Tal atitude (já enraizada nos campos de futebol no Brasil e muito provavelmente mundo afora) é algo naturalizado em nossa cultura, do tipo ‘é assim’. Faz realmente parte das estratégias para vencer a partida, no sentido de intimidar e tentar fazer a balança pender para o lado do time da casa.

Pois bem, não me agrada o politicamente correto. É meio tragicômico que possamos conceder às crianças que o Maracanã é o lugar aonde pode falar palavrão, pode xingar o juiz e coisa e tal. Existe algo da emoção do jogo que realmente nos toma e aí os bichos saem da caverna. O futebol, como expressão humana privilegiada, é um mar de comportamentos contraditórios e a paixão – como na vida – é um de seus combustíveis. Nelson Rodrigues que o diga.

Mas é inevitável pensar (aliás, necessário) as fronteiras deste universo mágico. No limite, o palco de um gol olímpico é o mesmo lugar no qual o sujeito, tomado por uma sensação de onipotência, se vê no direito, por exemplo, de passar o jogo à beira do gramado xingando uma menina de 14 anos porque ela estaria – supostamente – prejudicando o time do seu filho. Ou o fato de ser comum, nos jogos da categoria de base dos grandes clubes no Brasil, os árbitros passarem a partida inteira com marmanjos estúpidos (os pais dos jogadores) a gritar impropérios em seus ouvidos a cada instante que passam ao seu lado.

Quer dizer: o caráter lúdico do jogo é o que dá a sensação de uma certa suspensão da realidade. O sujeito passa a habitar momentaneamente uma realidade peculiar, na qual o fio da meada com os preceitos de civilidade são mantidos exatamente por aquele que aplica as regras – o (a) árbitro (a). Mas aí é que está a burrice do fanatismo: paradoxalmente, a diversão e o devaneio  próprios de uma partida de futebol só podem ser realmente usufruídos na medida em que o princípio de realidade está garantido, concomitantemente, pelas leis do jogo.

Compreende-se o ódio ao árbitro como aquele corta-tesão, mas que é necessário para que o jogo efetivamente aconteça. Para se chegar ao gozo do gol e da vitória, é preciso evoluir dentro de certos limites, limites este próprios para que o clímax aconteça. Tolerar este paradoxo é insuportável para muitos.

Sendo assim, fariam bem as novas gerações em não aceitar a naturalização da estupidez. Ao repudiar tal comportamento e pedir ajuda via rede social, a jovem árbitra inglesa demonstra não compactuar com o cinismo da vitória a qualquer preço; nem com o machismo ancestral; muito menos com o espírito miserável do “é assim”.

Como dizem por aí: fecho com Emily.

This Post Has 5 Comments

  1. Pois é Estevão, a mim parece que é a própria postura do sujeito diante do jogo, da arbitragem, dos acontecimentos da partida em geral que irão influenciar o pequeno torcedor; por isso não gosto do politicamente correto quanto aos palavrões no Maracanã. Mas a relação do sujeito com a derrota, a ira e o transbordamento para a estupidez a qual me referi é o que precisamos ficar atentos… enfim, só de a gente pensar sobre essas coisas já vale, né?

    Quanto ao piquenique, valeu tua fala: tem coisas simples assim que fazem um bem, né? E nem precisa de animador de festa… Grande abraço!

  2. Rodrigo: ótimo texto, como sempre, eu não teria algo "pegando de primeira" – como pede a área de comentários – para falar sobre tema tão complexo, apenas que já me vi diante desse dilema com meu filho no Maracanã, sobre falar palavrões: eu tento ensiná-lo a maneirar, não falar em excesso, e, ao chegar lá, nas primeiras vezes, todos gritavam palavrões aos montes – exatamente, mal o juiz entrou em campo para se aquecer. Fiquei meio sem saber o que dizer, até que o pai de um amigo dele falou: "Aqui pode!". E assim foi. O juiz, ele, meu filho, só chama de "ladrão", quando acha que prejudicou seu time, não xinga com palavrões, pelo menos por enquanto…
    Mas eu quero aproveitar o comentário para dizer que o piquenique foi mais um golaço do Chutebol! Quantas vezes fazemos algo tão simples como foi passar algumas horas brincando e conversando ao ar livre, uma peladinha, um freesbe e mais algumas brincadeiras (slack-line já foi mais sofisticado…)? Foi ótimo!

  3. Cara, com esta você se superou!!! Psicanalisar a função do juiz numa partida de futebol é o máximo. E com que precisão você o faz!!! Você coloca em campo até mesmo o fenômeno do paradoxo! Fantástico! Sinceramente, meus parabéns!!!
    Abração, Rodrigo.

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