Histórias Fantásticas de Futebol (1)
Caros (as),
1. Diante das dificuldades de saúde pública pela qual passamos, o Projeto Chutebol, como todas as atividades pedagógicas, está se adaptando para a formulação de conteúdos e programação digital. Em breve, as famílias irão receber um planejamento semanal.
Estão sendo estudadas atividades psicomotoras, literárias, artísticas e de treinamento relacionadas ao futebol. Vamos usar para isso as redes sociais, o blog e os e-mails.
Afinal, como sempre foi em nossa trajetória, o futebol é uma fantástica escola de vida e, nesse momento, não se furtará a nos ajudar.
2. Segue, abaixo, a primeira de uma série intitulada “Histórias Fantásticas de Futebol” que, como diria Manoel de Barros, só dez por cento é mentira!
*A ideia é que alunos, alunas e familiares possam ler juntos, e que tal ilustrar e mandar um desenho pra gente? Quando tudo isso passar, vamos publicar um baita livro com as ilustrações dos craques mirins (e até dos pais, por que não?!).
Boa leitura!!
Histórias Fantásticas de Futebol (1)
‘DUAS LUAS’
O menino queria jogar, mas tinha medo. Até sabia jogar mas, a cada vez que entrava em campo, suas pernas tremiam de medo. O chute saía fraco, o passe saía torto. Dentro de campo, chegava a torcer para que não lhe vissem. Talvez não o vissem mesmo, de tão pequeno que ficava.
Aquele monte de gente correndo atrás da bola, a torcida, o treinador, o juiz, tudo isso só aumentava seu medo.
Ele, então, passou a dizer aos pais que não gostava mais de futebol. Os pais desconfiaram, acharam estranho. Conversaram, insistiram. O pai aceitou sua desistência; a mãe, ao contrário, forçou-o a voltar a jogar.
E, no dia seguinte, o menino voltou a entrar em campo.
Foi pior, deu tudo errado. Levou bolada na cara, escorregou, tomou duas canetas. Sentiu vergonha, chorou e prometeu nunca mais jogar futebol.
Em casa, seus pais já não sabiam se insistiam ou aceitavam sua desistência. O menino, dentro dele, por debaixo do medo, ainda tinha vontade de jogar, tinha desejo. Mas não conseguia mais ouvir essa voz.
***
Seu avô foi visitá-lo.
Como eram muito amigos, brincavam, contavam histórias e conversavam sobre as coisas da vida. Foi quando o avô perguntou como estava o futebol.
“Não jogo mais”, respondeu o menino.
“E por que não?”, respondeu o avô.
“Não gosto mais de futebol”.
O avô não acreditou. Continuaram a brincar e a conversar. Decidiu retomar o assunto quando viu que o neto exibia um machucado no joelho.
“E isto, o que é?”, perguntou.
“Ah, é um ralado. Eu escorreguei no campo e caí, saiu sangue.”
“Acho que isso te paralisou”, continuou o avô – e o menino ficou pensativo. “Esse sangue corre por todo o seu corpo. Ele não para de correr, circular. Leva oxigênio para o cérebro, bombeado pelo coração, passando pelos pulmões. É vermelho, uma cor bonita que te mantém vivo e te faz correr.”
O menino parecia curioso.
“O sangue também carrega alguma coisa dos nossos sentimentos. Nosso amor e nosso ódio estão ali de alguma maneira, e nossa vergonha também. Talvez você tenha sentido muita vergonha por ter jogado mal, ou algo assim. Se isso aconteceu, só vai passar se você botar sua raiva pra fora, dando o chute mais forte de todos os tempos na próxima vez que tentar jogar”.
E continuaram a brincar.
***
Após alguns dias, ao dormir, o menino sonhou que tinha voltado a jogar. A vontade, por debaixo do medo ou da vergonha, apareceu no sonho e falou com ele.
Cochichou então, bem baixinho, no café da manhã, que queria voltar a jogar. Os pais não entenderam muito bem, mas no dia seguinte ele reapareceu no futebol.
Na hora do jogo, todo aquele medo voltou. As pernas tremeram. Ele olhou para a cicatriz da última vez que havia jogado. Sentiu muita raiva e lembrou-se do avô.
Recebeu um passe. O menino firmou o pé de apoio no campo e chutou, de canhota.
A bola atravessou a área do goleiro na velocidade de um asteroide. O goleiro não conseguiu ver por onde entrou, e a bola furou a rede – na verdade queimou a rede.
Estava em chamas.
Nunca mais encontraram aquela bola que, segundo dizem, correu o mundo atravessando várias traves, depois ganhou altura e subiu aos céus até romper a atmosfera e, finalmente, entrou em órbita.
Lá, no espaço sideral, foi inchando, inchando, até que ganhou mais ou menos o tamanho de uma lua.
Foi assim que, aqui na Terra, passamos a ter duas luas.
(De Rodrigo Tupinambá Carvão)