Histórias Fantásticas de Futebol (8)
Corações
Iam enfrentar o melhor time do campeonato, o líder que havia atropelado quem surgiu pela frente.
A disputa pela vaga nas semifinais era parada duríssima, e o adversário metia medo.
Treinaram preocupados durante a semana para o jogo decisivo, preocupados em defender, em neutralizar jogadas, em correr o dobro do que normalmente corriam.
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Na véspera da partida, um antigo torcedor compareceu ao treinamento e pediu para falar com o capitão.
“Eles se alimentam de medo”, explicou. “Se alimentam do medo de quem vai enfrentá-los. É preciso deixá-los com fome”. E despediu-se.
O capitão escutou atento, viu o velho virar-se e voltou para o centro do gramado.
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No vestiário, antes de entrar em campo, todos escutaram a palestra do treinador e repetiram na cabeça os movimentos ensaiados durante a semana.
Os gritos vindos da arquibancada lotada atravessavam o campo, invadiam o túnel e penetravam os ouvidos de cada um.
O capitão então tomou a palavra e exigiu que a fé e a paixão da torcida inflamassem seus corações.
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Durante a partida, que também é disputada no terreno dos espíritos, as grandes bocas do adversário partiram com a fúria habitual em busca dos corações amedrontados que costumavam encontrar para, como disse o velho, se alimentarem e marcarem gols com tranquilidade.
Mas encontraram corações muito grandes para caberem em suas bocas.
Outros, de tão quentes, queimavam-lhes a língua.
Havia ainda aqueles muito duros, robustos, que chegavam a quebrar os dentes de quem tentava abocanhá-los.
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Foram assim aqueles espíritos, como previu o velho, caindo de fome. E seus jogadores ficando cansados.
E a torcida correspondia mais e mais àqueles corações reluzentes, empurrando-os com seus cantos e sendo inflamada agora por eles.
E venceram alegremente, jogando e cantando.
(De Rodrigo Tupinambá Carvão)