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Inclusão?

O esporte é comumente associado à ideia de inclusão, ou seja, diz da possibilidade de participação das pessoas nos grupos esportivos, em especial crianças e jovens. Essa ideia geral é correta e deve ser incentivada, na medida em que a socialização é um componente fundamental na formação e no cotidiano de cada um.

No entanto, nas práticas infanto-juvenis existe, a meu ver, uma ideia de inclusão pela competição que pode ser melhor elaborada pelos professores e familiares, e digo isto a partir da experiência profissional que tenho vivido. Enxergo um uso distorcido desta ideia em muitas situações, e creio que vale abrir um pequeno debate.
Há uma premissa no meio da educação física (nas escolas, escolinhas e clubes) de que incluir significa, necessariamente, ‘botar pra jogar‘, na gíria dos boleiros, por exemplo. Segundo tal premissa, empurrar compulsoriamente o aluno à competição significa necessariamente realizar a tal inclusão, tão almejada por pais e professores como sinal de socialização. Mas isto não é necessariamente verdadeiro.
Muitas crianças apresentam receio em competir. Algumas produzem febre, diarreia ou falta de ar nos períodos próximos às competições, tentando mostrar inconscientemente seu desconforto acima da média. Outras inventam uma desculpa qualquer e não comparecem no evento marcado, até com conivência da família. Há aquelas que se mostram absolutamente desesperadas diante de resultados adversos, o que é diferente do choro comum pela tristeza da derrota. Acredito que nós, adultos, podemos lembrar destas reações infantis em nossas próprias memórias. 
Competir é confrontar-se, consigo mesmo e com os outros. Este embate, que produz tanto aprendizado, só será vivido como uma experiência positiva e realmente pedagógica se a criança se perceber em condições mínimas de segurança (confiar em si mesma) e aprendizagem (ter as mínimas habilidades para o confronto). Se estas duas ancoragens não estiverem em níveis mínimos, a inclusão não acontece, mas seu contrário: a pessoa se vê perdida em meio ao fogo cruzado.
Ocorre que, por se sentirem tendo que atender à premissa principal (incluir = competir), pais e professores ficam, muitas vezes, impedidos de escutar/observar a real situação individual de cada aluno. Para os pais, ver seu filho de fora de uma competição pode significar que ele foi excluído do grupo; os professores, obedecendo a esta lógica, ficam com receio de sustentar frente aos pais suas observações mais sinceras e, para não serem acusados como agentes da exclusão, não se posicionam – adotam a posição mais confortável e que não exige debate, o ‘botar pra jogar’. As direções das escolas também ficam com medo de dizer essas coisas aos pais e serem mal interpretadas.
É interessante perceber como, em muitos casos, o jogador mirim, em não conseguindo verbalizar seu mal-estar, assume (sem perceber) o que ele acredita que os adultos esperam dele: jogar. Não sendo algo verdadeiro, mas uma atitude no sentido de não decepcionar os adultos (e sim agradá-los), a criança insiste em participar, mas suas atitudes no cotidiano a contradizem, denunciando aquele mal-estar sobre o qual não consegue falar. 
Nestes casos, que são os mais complicados, acredito que cabe ao professor abrir o espaço ao diálogo, acolhendo a demanda não verbalizada da criança, e incluindo a família no processo. Na imensa maioria das vezes, em minha experiência, finalmente ela pode dizer como se sente e, aí sim, é possível tomar uma decisão mais honesta sobre participar ou não de uma competição naquele momento. (É evidente que estes casos são diferentes dos alunos que já demonstram capacidade para competir numa boa, e estão um pouco receosos, necessitando apenas de um empurrãozinho).
Este é o ponto que pretendo fazer : muitas vezes barrar, no sentido de limitar a participação da criança, é acolhê-la em suas demandas reais, proporcionando tempo para que amadureça. Prefiro o termo ‘acolher‘ ao termo ‘incluir’, pois no primeiro cabe a dúvida e a reflexão sobre uma situação real, enquanto o segundo é uma premissa sem brecha para elaboração.

Pode ser sugerido que, ao admitir dificuldades muito grandes do aluno, ele possa combinar de se preparar melhor (nas aulas/treinos) para os próximos jogos; pode ficar num primeiro momento como torcedor (indo observar os amigos e se familiarizar); pode ficar como ajudante dos professores, ou alguma outra ideia. A criança geralmente se sente cuidada quando pode admitir suas fragilidades momentâneas, se tranquiliza quanto ao seu desempenho e costuma usufruir muito melhor na oportunidade seguinte. O fundamental é não deixá-la sem perspectiva, mas apontar um caminho e um cuidado, com diálogo franco e aberto, inclusive com a turma.

Existe uma quantidade incontável de pessoas que viveram e vivem as competições desportivas obtendo muito menos do que elas podem oferecer. Muitos inclusive que, por terem tido seu tempo pessoal atropelado, passam anos sem fazer esportes, redescobrindo somente na idade adulta o prazer de voltar a fazê-los (nos melhores casos). Muitas vezes os próprios professores, na melhor das intenções em ‘incluir’, acabam por respaldar este tipo de situação sem perceber, com chavões do tipo “todo mundo se diverte”, “tá todo mundo aí brincando e aprendendo”, etc, sem lembrar que os resultados ruins podem aparecer mais tarde. Isto diz respeito à própria formação dos professores, que tem muito a evoluir no Brasil.
Um ‘não’, em alguns casos, pode ser muito mais acolhedor do que um ‘sim’, na medida em que o adulto consegue assumir a responsabilidade pelo cuidado infanto-juvenil.
Aquele abraço, saudações esportivas

This Post Has 4 Comments

  1. Conheço alguns casos, gente que voltou a jogar bola até na pelada dos pais… Não é vero?
    É muito interessante a forma inteligente e sutil com que vc traz a psicanálise pra dentro das quatro linhas.
    É quase um lançamento de 70m do Rivelino que, com uma só ação, colocava o atacante na cara do gol…rs

Deixe um comentário para yay by nico Cancelar resposta

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