Skip to content

Longe do Fair Play

Prezados (as),
Essa foi de amargar. Reportagem do Estado de São Paulo do dia 16 de Maio último, do correspondente em Genebra, Jamil Chade, denuncia contratos da CBF (Confederação Brasileira de Futebol) com interferência direta das ações de marketing nas decisões técnicas, esportivas – de campo. Transcrevemos aqui uma parte, mas o conteúdo completo (inclusive com as imagens dos contratos) está em: 
Consigo pensar em dois pontos importantes nessa história tenebrosa. Em primeiro lugar, o mais óbvio: algo que era, como disse um amigo, uma espécie de lenda urbana (“ah, todo mundo sabe que existe interesse financeiro na escalação de jogador”), agora aparece registrado em contrato. A outra, menos cabal, diz respeito à relação afetiva, do imaginário brasileiro mesmo: faz tempo que muitos de nós temos sentido um certo incômodo na relação com a Seleção. Algo como se a paixão não fosse a mesma de antes, como se houvesse um abismo na identificação dos próprios jogadores com a camisa amarelinha. Mas o fato de a maioria absoluta de nossos craques (?) jogarem na Europa dava uma certa desculpa, pela constatação pragmática de que ‘hoje é assim mesmo’.
Só que não. Não tinha que ser assim. Não precisa ser assim. Não pode ser assim. O blog Chutebol apoia o o movimento de jogadores profissionais Bom Senso FC (facebook.com/bomsensofc) na luta pela democratização e transparência da CBF para que, jogando na Europa ou não, a gente tenha a certeza de que quem está vestindo a outrora sagrada Amarelinha é porque está disputando a bola como quem vai num prato de comida. 
Abaixo, um recorte da reportagem:
“A seleção brasileira virou uma mina de ouro para empresários e CBF. Contratos secretos obtidos pelo Estado revelam, de forma inédita, como a entidade leiloou a seleção em troca de milhões de dólares em comissões a agentes, cartolas, testas de ferro e empresas em paraísos fiscais, longe do controle da Receita Federal brasileira. Pelos acordos, a lista de jogadores convocados precisa atender a critérios estabelecidos pelos parceiros comerciais e qualquer substituição precisa ser realizada em ‘mútuo acordo’ entre CBF e empresários. O contrato deixa claro: o jogador que substituir um ‘titular’ precisa ter o mesmo ‘valor de marketing‘ do substituído. 

(…) Desde 2006, a CBF mantém um contrato com a companhia ISE para a realização dos amistosos da seleção. O acordo foi mantido em total sigilo por quase dez anos. Documentos obtidos pelo Estado revelam agora que a ISE é uma empresa de fachada com sede nas Ilhas Cayman. Não tem escritório nem funcionários. É mera Caixa Postal, número 1111, na rua Harbour Drive, em Grand Cayman. A ISE é apenas uma subsidiária do grupo Dallah Al Baraka, um dos maiores conglomerados do Oriente Médio, com 38 mil funcionários pelo mundo. (…) Nos primeiros acordos e emendas entre a CBF e a ISE, os termos não faziam qualquer menção às regras para a convocação de jogadores. 

Tudo mudaria em 2011. Os aspectos esportivos foram colocados em segundo plano. Trata-se, acima de tudo, de um esquema para explorar a marca da seleção em todos os seus limites, independentemente do resultado em campo ou do significado de uma partida para a preparação do time. Pelo acordo secreto, ficou estipulado que a seleção deveria entrar em campo sempre com seus principais jogadores, sem qualquer possibilidade de testar jovens promessas ou usar amistosos para preparar o grupo olímpico. ‘A CBF garantirá e assegurará que os jogadores do Time A que estão jogando nas competições oficiais participarão em qualquer e toda partida’, diz o artigo 9.1. Qualquer violação desse acordo significa pagamento menor de cota. ‘Se acaso os jogadores de qualquer partida não são os do Time A, a taxa de comparecimento prevista nesse acordo será reduzida em 50%’, estipula o contrato. 

Por jogo, a CBF sai com US$ 1,05 milhão (R$ 3,14 milhões) se seguir o acordo. Caso um jogador seja cortado por contusão, por exemplo, a CBF precisa provar com um certificado médico aos empresários da ISE que o atleta não tem condições de jogar. ‘Qualquer alteração à lista será comunicada por escrito à ISE e confirmada por mútuo acordo. Nesse caso, a CBF fará o possível para substituir com novos jogadores de nível similar, com relação a valor de marketing, habilidades técnicas, reputação.’

Para deixar claro o que significa ‘Time A’, a ISE alerta que não aceitaria o que ocorreu em novembro de 2011 quando o Brasil foi ao Gabão e depois a Doha para enfrentar o Egito. Na época, o então treinador, Mano Menezes, não contou com Neymar, Ganso, Lucas, Marcelo, Kaká e Leandro Damião, nomes da lista original para os amistososNo novo contrato (o que passou a valer em dezembro daquele ano e vai até 2022) a empresa deixou claro que tal situação passaria a ser punida com uma redução em 50% do cachê pago. Além disso, todos os direitos de transmissão, copyright ou qualquer outro aspecto ficam sob controle total da empresa de fachada registrada nas Ilhas Cayman. Num dos artigos do contrato, fica ainda estipulado que, mesmo que o acordo for suspenso, os direitos de copyright são mantidos sem data para acabar. Qualquer violação significa que a CBF teria de pagar uma multa de US$ 1 milhão. 

O contrato ainda prevê que os períodos de preparação da seleção brasileira para as Copas de 2018 e 2022 também serão de exploração exclusiva da ISE. O acordo ainda termina com termo bem claro: confidencialidade. ‘Todos os termos e condições deste acordo serão tratados pelas partes como informações confidenciais e nenhuma das partes os divulgará’.


(…) O Bom Senso FC cobrou mais transparência da entidade que controla o futebol brasileiro. O meia Alex, um dos principais líderes do movimento que cobra melhorias no futebol brasileiro, pediu a democratização da  CBF: ‘Sinto-me absolutamente mal, enojado! É mais um sinal daquilo que pedimos: transparência! O Congresso Nacional precisa urgentemente aprovar a MP 671, para que se democratize a CBF, dando participação e direito de voto aos atletas’, disse o ex-jogador, que agora é comentarista de tevê. ‘O futebol é patrimônio do povo brasileiro e não pode ser usurpado como está sendo, há tanto tempo por uma sociedade privada como é a CBF’, acusou o ex-jogador. ‘Já não jogo mais, mas essa notícia é como um soco enorme no estômago. Que sejam apurados todos os fatos para que saibamos realmente tudo o que acontece no comando do nosso futebol, que se faça uma limpa’, declarou Alex.  


O meia, que jogou na Seleção Brasileira entre 1998 a 2005, é taxativo em relação ao papel dos parceiros comerciais na escolha dos jogadores. ‘A escolha deveria ser exclusivamente técnica, da preferência do treinador. Diante da denúncia, todos podem pensar o que quiserem’, disse. ‘Como ex-atleta minha maior preocupação é com o futebol brasileiro, que tem clubes muito endividados, pobre de pensamentos e pouco preocupado em melhorar. Enquanto a CBF enriquece em cima da área comercial e pouco se preocupa com o futebol’, completou (…)”.

This Post Has 3 Comments

  1. Que coisa, Rodrigo. Essa reportagem é preciosa! É diferença entre o futebol como paixão e o futebol como um "negócio como outro qualquer".

    Abração

  2. A transparência começa com os supostos governantes deste país. Enquanto existe a impunidade não haverá justiça. Tem o mensalão, o petróleo, porque você acha que se chama o brasileirão?

    Abraço

    Justyn

Deixe um comentário para Justyn Cancelar resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Back To Top