Mimimi
Trabalhando com crianças e adolescentes ao longo das últimas duas décadas, tenho percebido a necessidade de sustentar uma cultura com a qual muitos de nós, boleiros, aprendemos a conviver: a de parabenizar os vencedores adversários e, em especial, os campeões. Mesmo com – e apesar da – richa de torcidas. Recentemente o treinador do Vasco, Milton Mendes, vindo da Europa, deu entrevista falando sobre como tem achado isso difícil no Brasil.
A hiper-realidade tecnológica com a qual convivemos nos dias atuais parece influir na percepção e na maneira de assistir a uma partida de futebol. Faz com que consigamos enxergar cada detalhe de uma jogada, de um lance – portanto, de um erro. Um erro de arbitragem, uma simulação patética de um jogador profissional, uma dissimulação vergonhosa, uma jogada violenta. Tudo isso é muito bom e tem nos servido em muitos casos, felizmente. Diminui a largos passos o espaço para a malandragem porca no futebol.
Malandragem é drible de corpo bem dado.
O problema não é a tecnologia, mas a maneira de reagirmos a ela. A meninada, de uns tempos pra cá, quando vê, do conforto do sofá, que o árbitro (não) marcou um pênalti duvidoso, deixou de dar uma falta, errou um impedimento, não tem mais tratado isso como falhas humanas, algo inerente ao esporte; ao contrário, tem aprendido a simplesmente cravar: “Ganhou roubado!“, como quem diz “não valeu!“. Senha para desmerecer o vencedor, mesmo um campeão.
Evidente que há erros grosseiros que influem decisivamente no resultado de uma partida. Mas não é disso que estou falando. O que desejo ressaltar é a cultura que, creio, precisa ser sustentada, cultivada, ensinada. E falo a partir da experiência, pois tem sido cada vez mais difícil dizer ‘parabéns’ ao time adversário que se sagra campeão.
Nestes tempos em que se fala de ‘geração nutella’; de mimimi e coisas do tipo, parece que estamos falando de um narcisismo desmedido, no qual o reconhecimento da diferença e do valor de outrem não podem ser encarados com admiração, mas com o maior desdém sempre que possível. Aquilo que não é EU, sai, de antemão, desvalorizado. Mas as crianças não aprendem – nunca aprenderam – sozinhas. Qual é a parte disso que cabe a nós, adultos? Podemos suportar nossas (imperfeitas) derrotas?
Os grandes campeões sempre foram agraciados pela sorte, pelo talento individual e coletivo, pelos erros alheios. Não se trata de relativizar a honestidade, tampouco de cultivar os canalhas. Mas se trata, sim, de poder sair de si um pouquinho e, talvez, dizer: “É, o juiz errou naquele lance, pô… mas seu time mereceu, parabéns!”. Ou seja: não é um ou outro. É conseguir sustentar o paradoxo – a falha humana aconteceu, mas, mesmo assim, o outro teve méritos. Como dizem os boleiros, é do jogo. O futebol é um esporte, perdoem o clichê, humano, demasiado humano.
Reconhecer o outro é sair um pouco de si.
Aquele abraço, saudações esportivas
Desta vez você tocou num ponto que me é muito caro. Há muitos anos venho dizendo que precisamos acabar com o "TRIBALISMO", a mentalidade de tribo, que nos leva sempre a achar que TUDO QUE "NÓS" FAZEMOS ESTÁ CERTO, MESMO QUANDO OBVIAMENTE ERRADO, E TUDO QUE OS "OUTROS" FAZEM ESTÁ ERRADO, MESMO QUE ESTEJA OBVIAMENTE CERTO.
Para mim esse é um dos grandes problemas da humanidade, e com certeza é nos estádios que tal comportamento se manifesta de maneira mais visível.
Achei ótimo o que você escreveu. Gostei muitíssimo.
Grande abraço, Rodrigo.
E, como diria Vinícius de Moraes, "quem de dentro de si não sai, vai morrer sem amar ninguém".