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O inferno dos games

Caros (as),
Pelo que tenho percebido e escutado, tem sido travada uma verdadeira batalha entre pais e filhos no que diz respeito ao tempo que a molecada anda enfurnada nos games – horas e mais horas. Ouvi de um pai, agoniado: “Isso virou um inferno!” Pois bem, falo da condição de professor e, como não acredito em fórmulas, resta tentar pensar junto sobre o que está acontecendo. Qual será o fascínio dos games no século XXI?

Me parece importante atentar para algo que está na nossa cara, mas que muitas vezes nem nos damos mais conta: a internet é realmente um mundo. Talvez não ‘o’ mundo em si, mas certamente um outro mundo. Digo, não é mais algo acessório ou secundário – ela tem vida própria. Isso soa tremendamente óbvio, mas recomendo atenção aí. Tenho percebido momentos em minha própria vida nos quais sou tragado pelo celular e pelas redes sociais. A sensação de querer fazer parte de todas as discussões, de ter opinião sobre tudo e de não perder nada do que acontece é gasolina em nossa já apressada agenda de trabalho e compromissos. Quero dizer com isso que o real e o virtual estão completamente embolados, e isso me parece um caminho sem volta. Resta saber o que definirá nossa qualidade de vida neste sentido: o que nos traz paz de espírito; o que se tornou fundamental para trabalhar e interagir (o que era luxo numa época pode virar necessidade em outra); e o que é lixo virtual.
Os games também se tornaram um mundo. Outro planeta. Mais do que isso, outra realidade. No século XXI, a sofisticação destes jogos permite aos participantes, de maneira inédita na história, jogarem em conjunto o que antes só podia ser jogado de forma individual. Os jogadores se conectam pelos quatro cantos do mundo, elaboram criações fantásticas e, ali na arena cibernética, travam seus confrontos, organizam pares e grupos, se identificam e se excluem. Sem sair do quarto de casa. Soa genial e ao mesmo tempo assustador.

Fiquei pensando sobre qual seria o motivo da angústia de nós, adultos: provavelmente, que essa garotada simplesmente perca a vida-como-ela-é. Que se transformem nuns abobalhados, meninos-máquina, ultra nerds. Me parece legítimo. Mas… e o lado deles? Aí é que está o nó: eles também sentem que têm algo a perder – mas quando não estão jogando! A pontuação, a relação com os pares virtuais, a sensação de estar antenado… Bingo. Muitas vezes é a própria reputação do jogador que, para ele, fica em perigo ao não acompanhar incessantemente o frenesi virtual. Quero dizer com isso que é mais do que o jogo em si; mas a própria imagem que o sujeito tem de si mesmo (‘sou bom?, sou ruim?, como sou visto pelos amigos?’) que fica ameaçada. Acredito que na maioria dos casos isto se dê de maneira inconsciente para a própria pessoa.

Alguma semelhança com o mundo adulto?

O que acontece muitas vezes é que a criança ou o adolescente não consegue muito bem dizer o que é, o porquê de ser tão importante ficar lá metido em seu planeta game. Se o que eu estou escrevendo faz algum sentido, então estas arenas virtuais estão competindo (e muitas vezes levando a melhor) com o que outrora era vivido nas ruas, nos clubes, nas áreas da vida real. A competição comum, o medir forças, os próprios encaminhamentos do narcisismo de cada um. Existe uma lógica que nós não enxergamos.

Ficamos preocupados porque sentimos, intuímos, sabemos por experiência própria que existe algo mais a ser vivido. Eles são nativos digitais. Nós, não. Assim como não consigo imaginar um mundo sem a existência do rádio, por exemplo, os nativos digitais não conheceram o mundo antes da internet. Para eles, simplesmente, o mundo é assim. De tal maneira que, penso agora, o fato de perder o game pode estar colado a uma sensação de ausência, de vazio da representação virtual na fantasia daqueles que vivem isso tão intensamente. Muitas vezes pode ser quase como não existir, como morrer um pouco. Creio que há algo disso que precisamos suportar em nós mesmos para poder ajudá-los. Além disso, o que podemos fazer?

Toda vez que me pego num dilema deste tipo, me ocorre a simplicidade – e a potência – do afeto. Do estar junto. Das identificações positivas. Porque uma coisa é fato: se nós também não soubermos, ou não quisermos demarcar as frágeis linhas divisórias entre o real e o virtual, dificilmente a molecada irá fazer isso. Se a quantidade do tempo para estar juntos é hoje escassa, a qualidade deste mesmo tempo precisa ser de primeira. O que significa, talvez, largar o raio do celular, viver um pouco do tédio, da conversa, da angústia de não saber o que está acontecendo agora, neste exato momento. Quem sabe até criar alguma coisa a partir do tédio.

O ser humano é bicho arredio. Faz o que lhe dá prazer. Acredito piamente (porque vejo isso) que, se for construída uma memória que remeta às boas sensações do corpo e da alma com a natureza, os esportes, a arte e a cultura, com gente e vidas reais enfim, a onda dos games passa. Cada família vai ter de se haver com os limites desta questão à sua maneira. Vai ser vivida, com maior ou menor intensidade e, depois, tal qual uma chupeta, devidamente abandonada – ou modulada em sua intensidade. Ao menos na maior parte dos casos. Outros, de tão apaixonados, poderão se profissionalizar no negócio. Seria outro tipo inteligente de transformação, por que não?

A perda. Eles sentem a perda. Talvez caiba a nós, com afinco e afeto,  mostrar – e viver juntos – os ganhos. Da vida real.

Aquele abraço, saudações esportivas

This Post Has 14 Comments

  1. Olá Estevão, seu mega comentário é mais que bem vindo, pois é um assunto importante hoje! Muitas famílias podem se identificar com sua percepção. Agora, quanto à idade de "segurança", é realmente uma questão; até porque, ao entrar efetivamente na adolescência (que é em si mais que a puberdade), a tendência pelo que entendo é o sujeito reivindicar mais e mais a própria autonomia, e aí deve ficar mais difícil controlar com quem se joga ou não. Há maré turbulenta nestes mares, mas é como eles dizem: Tamojunto!

    Grande abraço

  2. Olá Estevão, seu mega comentário é mais que bem vindo, pois é um assunto importante hoje! Muitas famílias podem se identificar com sua percepção. Agora, quanto à idade de "segurança", é realmente uma questão; até porque, ao entrar efetivamente na adolescência (que é em si mais que a puberdade), a tendência pelo que entendo é o sujeito reivindicar mais e mais a própria autonomia, e aí deve ficar mais difícil controlar com quem se joga ou não. Há maré turbulenta nestes mares, mas é como eles dizem: Tamojunto!

    Grande abraço

  3. Rodrigo, é isso aí – afeto e também confiar no nosso bom senso e intuição, para sabermos o que é melhor para eles, outra dica dos seus posts. Quando vejo que simplesmente está demais – ele, nervoso demais, xingando e chorando porque não consegue ultrapassar uma fase, após ter jogado por horas – mando parar e limito o tempo de jogo por alguns dias. Na hora, ele acha ruim, é claro, mas, no fundo, e depois, dá para notar que me dá razão. Nesse exemplo recente, ficou dois dias sem poder jogar, como descanso e, nos dias seguintes, com tempo limitado para o jogo. Resultado: depois do descanso, ele conseguiu facilmente passar pela tal fase e “zerar” o jogo, o que o deixou muito satisfeito. Quer dizer, ele aceita a limitação dada pelos pais, ao perceber que ela é dada com bom objetivo e, neste caso, acabou redundando em benefício para ele no próprio jogo. Isso é um problema maior nas férias e no fim de semana, pois, nos outros dias, o tempo fica tomado com a escola, os deveres, o inglês, a natação e… o CHUTEBOL! Este é outro critério que uso: enquanto não prejudicar as outras atividades, inclusive a escola, OK. Nesse caso recente, eu consegui ser firme e calmo ao mesmo tempo, o que ajudou e é o recomendado pelos profissionais e livros, mas que quase nunca consigo por em prática!
    Desculpe escrever um megacomentário, mas o assunto me interessa muito. Por enquanto, não o deixo jogar em jogos em que se interage com desconhecidos. E uma pergunta que não sei responder: a partir de que idade será seguro? Um abraço!

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