O tempo, ainda e sempre
Caríssimos (as),
O blog Chutebol traz novamente um texto sobre o tempo – tão precioso quanto escasso atualmente. Como bem lembrou o amigo e cancionista Paulo da Costa, certa vez em que conversávamos demoradamente: “Você acha que estamos sem paciência? Então preste atenção na ideia de tempo das gerações que vêm por aí, quando demorar mais de 10 segundos para fazer um download qualquer ou para procurar uma coisa no Google é motivo de aflição e desespero…”. A psicanalista Maria Rita Kehl se respalda em Winnicott (psicanalista inglês), para enfatizar a necessidade de a criança, desde bebê, poder viver um tempo seu, encarar um certo vazio de demanda – e de como isso favorece uma ideia e um sentimento de criatividade diante da vida. Boa leitura!
“A falta em presença: talvez seja essa a natureza do espaço-entre a criança e a mãe que Donald Winnicott considera essencial para o desenvolvimento da criatividade infantil. Que a mãe esteja presente, mas não ocupe todo o espaço; que se interesse pelas pequenas evidências da vida psíquica de seu bebê, mas não faça delas um assunto todo seu. Acima de tudo, que a mãe, mesmo presente, possibilite à criança a experiência da duração temporal que, nessa fase da vida, traduz-se sempre como tempo de espera. Que a mãe possibilite a seu bebê o desenvolvimento da capacidade de esperar (pela satisfação) e de inventar o que fazer desse tempo vazio.
[Diz Winnicott (1971):] ‘Em algum ponto teórico, no começo do desenvolvimento de todo indivíduo humano, um bebê, em determinado ambiente proporcionado pela mãe, é capaz de conceber a ideia de algo que atenderia à crescente necessidade que se origina da sua tensão instintual. Não se pode dizer que o bebê saiba, de saída, o que deve ser criado. Nesse ponto do tempo a mãe se apresenta. Da maneira comum, ela dá o seio e seu impulso inicial de alimentar. A adaptação da mãe às necessidades da criança, quando suficientemente boa, dá essa ilusão de que existe uma realidade externa que corresponde à sua própria capacidade [dele, bebê] de criar‘.
(…) Winnicott também se refere, nesse ponto, a uma medida razoável para esse intervalo de espera. Se for curto demais, será insuficiente para que a criança desenvolva sua capacidade de suportar o vazio e sua potência em convocar o Outro. Se for extenso demais, a insatisfação prolongada produzirá uma ruptura no tecido psíquico, uma falta de confiança na vida, difícil (mas não impossível) de ser reparada.
(…) Winnicott percebeu que a sensação de que ‘a vida é digna de ser vivida’ não se origina tanto da experiência empírica com as eventuais gratificações que a vida oferece, mas é consequência da capacidade da criança criar a partir de suas percepções. A essa capacidade, ele chama ‘apercepção criativa‘. Na falta dela, a criança desenvolve uma ‘submissão com a realidade externa’. O mundo se lhe apresenta como um cenário inalterável que só exige dela a capacidade de submissão e adaptação.
[Diz Winnicott (1971):] ‘A submissão traz consigo um sentimento de inutilidade e está associada à ideia de que nada importa e de que a vida não vale a pena ser vivida. Muitos indivíduos experimentaram suficientemente o viver criativo para reconhecer, de maneira tantalizante, a forma não criativa pela qual estão vivendo, como se estivessem presos à criatividade de outrem, ou de uma máquina. Essa segunda maneira de viver no mundo é identificada como doença, em termos psiquiátricos.’
[Adaptado de Maria Rita Kehl – ‘O Tempo e o Cão‘, 2012]
Excelente reflexão, meu camarada.
Um dos motivos que mais me alegram em ver o JAntônio fazendo parte do Projeto Chutebol é um e-mail como esse, um chamado para a reflexão.
Obrigado, Rodrigo.
Um abraço
Maurício
Ótimo, Rodrigo!
Bjs