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Pais & Filhos

Prezados (as),
A já famosa questão da colocação de limites na educação de crianças e adolescentes é tema inesgotável – e muitas vezes ganha contornos dramáticos dependendo de como a família lida com isso. Nossa amiga e psicanalista Andrea Martinelli, mãe do goleirão Heitor, enviou pra nós essa ótima entrevista de Jean-Pierre Lebrun, psicanalista belga que é referência na Europa sobre as mudanças nas relações entre pais e filhos, na dita Pós-Modernidade. 
Aqui no Chutebol costumamos lembrar que é preciso demarcar o tempo da infância, e que o compromisso com o sucesso (seja lá o que isso signifique) pode se tornar um verdadeiro pesadelo na vida do sujeito. Exatamente nisso Lebrun insiste, e fala alto: “Ensinem os filhos a falhar.”
A íntegra em: 
Boa leitura!

> Por que os pais hoje têm tanta dificuldade de controlar seus filhos?
Jean-Pierre Lebrun:
Isso é reflexo da perda de legitimidade. Até pouco tempo atrás, a sociedade era hierarquizada, de forma que havia sempre um único lugar de destaque. Ele podia ser ocupado por Deus, ou pelo papa, ou pelo pai, ou pelo chefe. Isso foi se desfazendo progressivamente, e o processo se acentuou nos últimos trinta anos. Hoje, a organização socialnão está mais constituída como pirâmide, mas como rede. E, na rede, não existe mais esse lugar diferente, que era reconhecido espontaneamente como tal e que conferia autoridade aos pais. As dificuldades para impor limites se acentuaram, causando grande apreensão nas pessoas quanto ao futuro de seus filhos.

> Existe uma fórmula para evitar que os filhos sigam por um caminho errado?
Jean-Pierre Lebrun:
É preciso ensiná-los a falhar. Uma coisa certa na vida é que as crianças vão falhar, não há como ser diferente. Quando os pais, a família e a sociedade dizem o tempo todo que é preciso conseguir, conseguir, conseguir, massacram os filhos. É inescapável errar. Todo mundo, em algum momento, vai passar por isso. Aprender a lidar com o fracasso evita que ele se torne algo destrutivo. 

Às vezes é preciso lembrar coisas muito simples que as pessoas parecem ter esquecido completamente. Estamos como que dopados. Os pais sabem que as crianças não ficarão com eles a vida inteira, que não vão conseguir tudo o que sonharam, que vão estabelecer ligações sociais e afetivas que, por vezes, lhes farão mal, mas tentam agir como se não soubessem disso. Hoje os filhos se tornaram um indicador do sucesso dos pais. Isso é perigoso, porque cada um tem a sua vida. Não é justo que, além de carregarem o peso das próprias dificuldades, os filhos também tenham de suportar a angústia de falhar em relação à expectativa depositada neles.

> Falando concretamente, como é possível perceber essa diferença no comportamento das famílias hoje?
Jean-Pierre Lebrun:
A mudança é visível. Na Europa, por exemplo, quando um professor dá nota baixa a um aluno, é certo que os pais vão aparecer na escola no dia seguinte para reclamar com ele. Há vinte, trinta anos, era o aluno que tinha de dar satisfações aos pais diante do professor. É uma completa inversão. Posso citar outro exemplo. Desde sempre, quando se levam os filhos pela primeira vez à escola, eles choram. Hoje em dia, normalmente são os pais que choram. A cena é comum. É como se esses pais tivessem continuado crianças. Isso acontece porque eles não são capazes de se apresentar como a geração acima da dos filhos. É uma consequência desse novo arranjo social, em que os papéis estão organizados de forma mais horizontal.

> Como o senhor avalia essa mudança? Esse novo arranjo é pior do que o anterior?
Jean-Pierre Lebrun:
Hoje os pais precisam discutir tudo, negociar o que antes eram ordens definitivas. E isso não é necessariamente algo negativo, desde que fique claro que, depois de negociar, discutir, trocar ideias, quem decide são os pais.

> Essas mudanças na estrutura social podem influenciar em aspectos negativos como, por exemplo, o uso abusivo de drogas?
Jean-Pierre Lebrun:
Não há uma relação automática. Os mecanismos pelos quais os indivíduos se tornam dependentes químicos são diversos e complexos. A psicanálise ajuda a identificar alguns deles. Vou dar um exemplo. Manter uma criança em satisfação permanente, com sua chupeta na boca o tempo todo, fazendo por ela tudo o que ela pede, a impede de ser confrontada com a perda da satisfação completa. E isso vai ser determinante em sua formação.

> (…) Costuma-se atribuir o mau comportamento dos filhos à falta da estrutura familiar tradicional, como a que ocorre após uma separação. Qual a exata influência que isso pode ter?
Jean-Pierre Lebrun: Uma família organizada de forma aparentemente harmônica não necessariamente faz de um jovem uma pessoa capaz de conviver e suportar o sofrimento inerente à condição humana. Essa capacidade pode ser pequena em famílias aparentemente realizadas, com estrutura sólida. Assim como pode ser enorme em uma família conflituosa, dividida, conturbada. Por isso, não se deve levar em conta apenas o aspecto exterior da família. O que vale é a capacidade dos pais de fazer os filhos crescer. De incutir-lhes a verdadeira condição humana. Esse é o bom ambiente familiar, independentemente do desenho que a família tenha.

> O melhor mesmo, então, é aceitar que a existência é sofrida?
Jean-Pierre Lebrun: O processo é mesmo muito mais complexo do que ocorre com outros animais. Um cão nasce cão e será assim para o resto da vida. Um tigre será sempre tigre. Um humano, no entanto, precisa se tornarplenamente humano. É uma enorme diferença. Esse processo leva uns vinte, 25 anos e está sujeito a percalços. Na Renascença já se falava disso: não somos humanos, nós nos tornamos humanos.”

Aquele abraço, saudações esportivas

This Post Has 10 Comments

  1. Muito bom, Rodrigo. Li a entrevista completa do Lebrun, e tirei o chapéu. Muito boa. E os seus comentários são preciosos. Eu não teria nada a acrescentar.
    Grande abraço – e continue insistindo. O Rubem Alves dizia que um amigo dele sempre reclamava por ele escrever sempre as mesmas coisas. O Rubem respondia: Eu só tenho uma única coisa a dizer, o que você quer que eu faça?
    Eu também sou assim. Volto sempre ao mesmo ponto, cada vez fincando a estaca um pouco mais fundo.
    Abração.

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