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Perder, perder, perder

Caros (as),
No momento em que escrevo, Lionel Messi, o maior jogador em atividade no planeta, coloca em dúvida sua continuidade como jogador da seleção argentina. Ainda não se sabe ao certo se por motivos políticos (em protesto vigoroso contra a AFA – Associação de Futebol Argentino); ou se pela questão das seguidas e insuportáveis derrotas em finais de campeonatos. Para uma discussão que interesse a este espaço, fiquemos com a segunda hipótese. Vejamos.
O craque erra a cobrança de pênalti. Sua equipe fracassa. O mundo desaba em suas costas. O filme que passa em sua cabeça é de terror: a cobrança, a imprensa, as provocações. A pressão se torna um monstro insuperável. Ele simplesmente se vê menor do que imaginava ser e, diante do sentimento de fracasso absoluto, resolve sair de cena. Me lembrei das crianças.
É bastante comum na infância, com a molecada que começa a participar de competições bem cedo (aos seis, sete, oito anos), que alguns tenham de passar por uma experiência muito dolorosa, a de perder seguidas vezes. Não só perder seguidas vezes, como terminar um torneio em último lugar, uma vez após a outra. Que fazer?
Me parece que, nestes momentos, nos vemos diante de um dilema ético. De visão de mundo, mesmo. O senso comum sugere, a partir dos enredos que permeiam um fundo comum da cultura ocidental, que após as derrotas virão as vitórias, o que permite ao jogador – seja ele mirim ou profissional – sustentar uma esperança de dias melhores. No entanto, ao se deparar com uma derrota após a outra, a realidade se mostra um tanto mais dura do que as promessas infantis de superação e vitória. Nesta ótica, continuar tentando perde o sentido. A derrota ganha peso de certeza, a pessoa não consegue mais acreditar, em si ou na promessa. Repito a pergunta: que fazer? 
A saída infantil mais apavorada é a de sair de cena, desistir. “Não sirvo pra isso, não sou bom o suficiente, fracassei”, etc. Outra saída, oposta, é o auto-engano: “Não é culpa minha, o juiz sempre rouba, sou azarado, meu time é ruim”, etc. Existe ainda uma terceira: “Eu sei que eu vou ganhar, a promessa é verdadeira, um dia todo mundo vence”, etc. Não me agrada nenhuma delas. Podem servir em casos pontuais, em desabafos, aqui ou acolá. Mas não sustentam o peso de uma realidade adversa, duramente adversa. 
Puxo o fio do dilema ético. O narcisismo contemporâneo não suporta a realidade dos fracassos. Diante da possibilidade deste, se esperneia, se esquiva, se agride. Pouco se enfrenta. Aí está: o enfrentamento do abismo, de nossa condição de incompletos, imperfeitos, derrotados de antemão por jamais sermos tudo o que queríamos ser, tem ficado de fora da pauta. Simplesmente não está mais em discussão. 
Mas isso é falso. Sem a percepção honesta de nossa condição humana, o imperativo ético da superação (que produz sentidos e alimenta esperanças de maneira legítima) fica capenga. Manco. Porque se é verdade que um dia todos podem vencer, não é uma certeza. Podem, hipótese. O que representa então, diante do insucesso seguido, o sentido para seguir jogando, lutando, vivendo?
Jogar até o final. 
O futebol é um esporte tão rico para encenar os dilemas humanos que até um ditado de botequim serve para explicar o que quero dizer: “o jogo só acaba quando o juiz apita“. Até lá, por respeito a si mesmo, aos companheiros, adversários, ao distinto público e por amor à bola, ao jogar/viver em si, a alternativa mais honesta que conheço é esta. Não se apresenta assim por passe de mágica, mas é passível de construção e de sustentação. Nela, cabe até mesmo o fracasso absoluto. Que na verdade, convenhamos, não passa de uma fantasia. 
As decepções de Messi em finais com a seleção argentina não apagam o magistral jogador que ele é – só em sua cabeça confusa, neste momento de dor. Assim como uma criança pode não tirar nunca o primeiro lugar, mas fatalmente experimentará boas vitórias se seguir jogando. O futebol é um esporte coletivo e, quem já conseguiu deixar de lado um pouquinho de sua onipotência, sabe que ganhar ou perder dependem de muito mais coisas do que o próprio umbigo. Mas ‘Jogar até o final‘ é um imperativo mais potente do que ‘Um dia vencerei‘, pois que nele há lugar para as desilusões mais graves. Cair lutando é genuinamente corajoso.
  
Fica aqui um pedido em nome das gerações mais novas, que tanto se espelham nos craques. Sejam arrogantes como Cristiano Ronaldo, pirotécnicos como Neymar, agressivos como Luizito, aparentemente alheios ou abatidos, como Messi – mas por favor, menos afetação e mais futebol.
Aquele abraço, saudações esportivas

This Post Has 21 Comments

  1. Olá Rodrigo,

    Quero lhe dar os parabéns pelo post sobre o modo de encarar as derrotas e o exemplo do Messi; vai nos ajudar muito a lidar com isso.

    Grande abraço

  2. Foi muito bom ler seu texto hj com o Bê e partilhar reflexoes e lembranças de vários momentos vividos em Aulas , jogos e torneios ! Memórias de experiências … Boas , difíceis , medalhas , derrotas , vitórias etc… a trajetória desde seus 4 anos no Chutebol , e o seu desenvolvimento com a bola , com o jogo , equipe , tecnica e a paixão pelo futebol !
    Como mãe , agradeço esse espaço de convivência , alegria , paixão , investimento dele no esporte , aprendizados e conquistas !
    Vale ressaltar , que é um aprendizado TB para nós , pais , segurar nossa onda e apoia-los acolhendo as derrotas , dificuldades e glórias !
    No mais … Bola pra frente !
    Valeu Rodrigo e Tiago , professores especiais !

  3. Belo texto Xará… como sempre!
    Acho que no caso do Messi, tem um algo a mais. Ele ja ganhou tudo com o Barcelona, e não ganhou nada com a seleção argentina. Será que o sentimento de fracasso não fica mais evidente e "mimado" achando que no clube ele conseguiu tudo e na seleção não por casa dos outros jogadores? Ao meu ver Messi acredita não precisa da seleção, e ela sim precisa dele. Sua fortuna, seus prêmios, sua glória são todos frutos do seu trabalho no Barcelona, o prêmio de melhor jogador da copa foi um prêmio de consolação. Ter que ouvir críticas de Maradona e conviver com crises políticas na AFA aumentam ainda mais a vontade de abandonar o barco. Messi saiu da Argentina com 12 anos, não sei se ele se identifica mais com Barcelona do que com a Argentina, eu acho que sim… sempre tive essa sensação. Acho que a decisão dele é uma soma de fatores, ele carrega uma cruz que não é dele.
    Rodrigo Monfort

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