Professores & crianças

Por Rodrigo Tupinamba Carvao
em 09/10/2017 |
Categorias: Educação
Nesta semana agora serão comemorados, respectivamente, o Dia das Crianças e o Dia do Professor. O blog Chutebol tem apresentado alguns comentários nestas ocasiões e, como de praxe, juntando dois em um – dada a rotineira relação entre estes dois personagens. Tenho ficado especialmente atento à maneira como cada aluno nos percebe. Percebe a cada professor.
Papais e mamães sabem dessa percepção infantil através do cotidiano, da vida como ela é, desde quando seus rebentos vêm ao mundo. Aqueles que porventura não o saibam, estão ou brevemente estarão, seguramente, em maus lençóis. É forçoso o clichê, mas crianças são esponjas. Absorvem o mundo à sua volta.
Nesta absorção, para além das informações contidas no DNA e na própria memória familiar, existe um tremendo processo de identificação com as figuras proeminentes ao redor de cada uma delas. Por identificação quero dizer que todos nós precisamos buscar uma maneira de existir, e isso vai se dando por modelos encontrados ao redor. Primeiro para assimilar alguma maneira de ser e de fazer as coisas, depois para contestar algum ou alguns destes modelos e colocar de maneira mais incisiva algo original, próprio, pessoal. Isso nos casos mais felizes, evidentemente.
Existem muitos casos aonde uma de duas coisas acontece: ou a pessoa cai num vazio terrível, pela recusa do adulto em estabelecer uma conexão íntima e mostrar como gosta de fazer as coisas e quais são suas regras de conduta (e muitos chamam isso, erroneamente, de ‘liberdade’); ou cai numa opressão muito forte, sem espaço para que possa experimentar maneiras diferentes de existir e viver a vida. Mas vou me ater às situações mais ou menos comuns, dentro dos limites razoáveis entre tais extremos.

Voltando à questão da identificação, tenho ficado bastante impressionado em como as crianças precisam poder usufruir da figura do professor, como elemento de identificação positiva para a formação de sua personalidade. Me refiro à capacidade do professor em estabelecer uma comunicação real com a criança, no sentido de poder ser espontâneo na relação; e no sentido de ter umas poucas regras claras, simples, funcionais e ao alcance da compreeensão infantil para comandar uma turma.

A identificação positiva não deve ser confundida com um professor que tenta se mostrar perfeito, impecável em suas ações e implacável no cumprimento de regras absurdas. Identificar-se com alguém que pretende mostrar-se sem falhas humanas pode virar um verdadeiro pesadelo para a criança, ainda mais se os pais comprarem essa ideia como ideal. Algo inatingível, irreal e amedrontador. Por outro lado, um professor que busca mostrar-se evitando qualquer autoridade ou hierarquia – como se as regras e condutas morais fossem itens, digamos, opcionais na vida -, termina por jogar uma responsabilidade muito grande em cima da criança. Cabe ao adulto aplicar algumas leis quando necessário, pois isto significa que ele se responsabiliza por coisas que a criança ainda não mostra capacidade em responsabilizar-se. É uma titude afetiva, e o século XXI tem chamado a isso de ‘limites’.

O professor ou a professora que consegue apresentar-se inteiro, humano e real, preservando seu lugar de autoridade sem ser amedrontador, permite à criança fazer uso da maneira de viver e de agir que o próprio professor apresenta. Identificar-se com ele ou ela sem ter que ser igual. Aprender, efetivamente, sobre o metiê e algumas formas de aprendizagem, concretizar projetos e mover-se socialmente em algum grupo. A identificação positiva à qual me refiro tem um elemento de plasticidade, que é dado justamente pela capacidade do professor em ser espontâneo, comunicando-se afetivamente com a criança (permitindo a ela ser espontânea), sem ter que sair do lugar de adulto que lhe é cabido na relação. Como são muitos os professores ao longo da vida escolar, certamente alguns vão marcando positivamente a vida do aluno e ajudando-o a estruturar sua personalidade.

(Nós, adultos, certamente lembramos de alguns professores possuidores das qualidades às quais me referi, em nossa infância. É evidente, também, que o ambiente facilita ou dificulta o trabalho ao qual me refiro, e a triste situação de muitas escolas brasileiras empurra profissionais para comportamentos estereotipados, em busca apenas de sobrevivência financeira e emocional).

No fim das contas, creio que estou falando de uma atitude amorosa: emprestar-se, para que a criança consiga fazer uso da figura do professor como for possível para ela. Seremos usados, comidos, amados, destestados, romanceados, descartados. Oferecendo, no entanto, uma maneira singular de ser e de viver.

Aquele abraço, saudações esportivas

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