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Rio 450

Caros (as),

Em nome do Chutebol, gostaria de agradecer à Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. Aqui nasci, vivi, cresci. Aqui aprendi a cair e me levantar, sorrir e chorar, partir e chegar. Aqui resmungo minhas ranzinzices falando mal da cidade e de suas máfias e mazelas; mas também é aqui que vou à praia no mesmo lugar, vou apaixonadamente ao Maracanã, continuo jogando futebol, respiro música, tomo a justa cerveja no boteco; trabalho, estudo, vivo dores e amores. É aqui, especialmente aqui, que minha família e amigos servem como amparo mais primoroso às durezas da vida.


Freud dizia que o reverso do amor não é o ódio, mas a indiferença. E tudo o que não sinto por essa cidade é indiferença. O Rio me arrepia.

***
Para não deixar passar em branco os 450 anos do Rio, o Chutebol traz, logo abaixo, um recorte primoroso da escritora (e imortal da ABL) Rosiska Darcy de Oliveira – sobre os encantos e desencantos da cidade. Boa leitura!

“O que melhor atesta a grandeza de uma pessoa? O senso comum acredita que seja a capacidade de enfrentar a adversidade. A coragem é sempre valorizada. Outra hipótese menos explorada seria que a grandeza se mostra na capacidade de viver a alegriaA alegria é suspeita de leviandade. Pode ser que essas duas versões às vezes se confundam e essa hipótese explicaria o destino da cidade em que, por sorte, nasci.

(…) O Rio completa 450 anos. Nessa já longa vida vem testemunhando uma história em que se misturam a dor e a alegria. Não é preciso na véspera do aniversário fazer o inventário das misérias que todos conhecemos. Nenhuma delas é aqui esquecida ou minimizada.“E, no entanto, é preciso cantar, mais que nunca é preciso cantar e alegrar a cidade”. Impossível festejar o aniversário do Rio sem Vinicius. E vamos concordar com ele que “é melhor ser alegre que ser triste, a alegria é a melhor coisa que existe”. Hoje, louvando o que bem merece, é a admirável capacidade do povo carioca de ser alegre que invade o texto.

As multidões que no carnaval tomam as ruas, vindas de todo canto, e se constituem em blocos onde milhões de pessoas se divertem de graça, incansáveis, durante uma semana, são a prova dessa alegria, em que há também “um bocado de tristeza”. E de uma energia que ninguém sabe de onde vem e que os dissabores não conseguem sufocar.

Em tempos de fundamentalismos delirantes, os blocos são um discurso vivo contra todos os fundamentalismos, são eles que, pela irreverência, anunciam os pecados da cidade e afirmam, pelo simples fato de existirem, sua maior virtude, a tolerância.

O carnaval é uma festa virtuosa ao contrário do que dizem os que acreditam deter o monopólio da virtude. Se o carnaval causa problemas, e causa muitos, de barulho, mobilidade, limpeza, segurança, todas as soluções logísticas são urgentes e bem-vindas, exceto estancar essa alegria das ruas que veio para ficar.

(…) Este ano, do fundo da Sapucaí surgiu uma águia branca, redentora, um Cristo alado pousado no asfalto, que atravessou a avenida fundindo no simbolismo o carnaval e o próprio Rio. Águia com vocação de pomba da paz, abrindo e fechando as asas em movimento protetor. Águia branca redentora, livrai-nos da ganânciaque prostitui o carnaval.
(…) Do que nos redime esse Cristo alado, surrealista, inspirado em Magritte? Do vício de só olhar para nossos defeitos e carências. Sofremos dos infernos de cada dia que afligem as grandes metrópoles, da falta d’água ao trânsito impossível, sem falar no mais sinistro, a violência. De mediocridade, não. De falta de criatividade, não sofremos.

Não se menospreze a alegria dos cariocas como um mito ou uma inútil peça de folclore. É um traço cultural, que melhor se mostra no carnaval, mas está presente o ano inteiro, recurso de sobrevivência precioso na luta contra um cotidiano áspero.

(…) Não só alegre, o Rio é uma cidade inteligente. Inventa, não copia. Recebe todos, brasileiros ou não, para fazê-los seus. Inimitável, é ela a mãe nossa de cada dia. Rebelde, vive os paroxismos dos inconformados, diaba solta nas suas próprias ruas, nas vielas, testemunha e herdeira de descaminhos, erros e desgovernos. E se pergunta, desolada, por que não foi mais feliz.

Compõe então suas melhores canções, que exprimem a vocação de poesia que, para além do bem e do mal, emerge do espelho. Do espelho do mar. O mar que insiste em chamá-la de linda, em amá-la dia e noite, como se fosse perfeita. O mar que a consola, embala, perdoa. O mar que é como todos nós, seus filhos devotos e amantes incondicionais.”

[Adaptado de ‘A águia redentora‘ – Jornal O Globo, 28/02/15]

This Post Has 9 Comments

  1. Olá, Rodrigo,
    Muito bom!
    Eu sou contemporânea de Rosiska, dos "anos dourados" do Instituto de Educação, normalistas formadas em 1961.

    Como referência na área da educação, quantos conhecimentos, alegrias e amizades essa instituição me propiciou!!! Nível de ensino excelente, com professores altamente qualificados e competentes. Recordações prazerosas!!

    Leio sempre os textos da antiga colega no O Globo e tenho alguns de seus livros. Gosto muito do estilo e abordagem dos temas que ela elege em sua escrita.
    Feliz escolha!

    Parabéns para o nosso Rio! E para nós mesmos, cariocas que somos, enfrentando as vicissitudes…
    Bjs,
    Irles

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