Sobre o TDA/H

Por Rodrigo Tupinamba Carvao
em 10/03/2014 |
Categorias: Sem categoria
Caríssimos,

O blog Chutebol traz um texto, do escritor e psicanalista Contardo Calligaris, sobre as crianças diagnosticadas com TDA/H (Transtorno do Déficit de Atenção – com ou sem Hiperatividade). O que é interessante perceber é como algo nomeado como um transtorno remete à ideia de que algo precisa ser ‘consertado’ – e quem não quer ‘consertar‘ as coisas mais rápido? Uma pílula é sem dúvida mais rápida do que qualquer processo educativo ou terapêutico.
Logo, as causas psicossociais de uma dificuldade vão sendo deixadas de lado, em prol da ideia de eficácia. Assim, devidamente medicada mas sem um amparo, digamos, para elaborar sua existência no mundo, resta à criança, no mais das vezes, a opção de se normalizar. De ser normal. Enfim, não se trata em absoluto de menosprezar a ajuda que os medicamentos podem dar. Mas se trata, sim, de reservar a eles um lugar definido, que não ocupe o espaço do sujeito no qual ele poderia confrontar-se com as dores da existência, buscando maneiras mais criativas para ser quem se é. Lembramos do Charlie Brown, de Schulz – aquele simpático menininho angustiado, mas nem por isso menos apaixonado pela vida. Uma vez medicado, seria genial assim? Boa leitura!
“Nas áreas urbanas do mundo ocidental, entre 8 e 10% das crianças do primeiro ciclo são diagnosticadas com TDA/H (Transtorno do Déficit de Atenção —com ou sem Hiperatividade ). O que significa, grosso modo, que elas não conseguem focar, são constantemente distraídas e, quando hiperativas, não param de se movimentar. Sabe aquelas crianças que, na hora de ler ou estudar, são atormentadas por coceiras irresistíveis, rolam de um lado para o outro da cama, batucam, acham que a camiseta está apertada ou que é urgente abrir a janela (ou fechá-la)? Pois é, essas mesmo. 

Elas atrapalham a classe inteira, exasperando pais e professores. E, de fato, o transtorno é, antes de mais nada, uma queixa dos adultos, os quais, às vezes, pedem que médicos, psicólogos e pedagogos façam “alguma coisa” —pelo amor de Deus. Mas não só os adultos pagam a conta: as crianças com déficit de atenção e hiperativas não aprendem a metade do que aprenderiam se ficassem sentadas e focadas. Várias experiências mostram que só é possível combinar pensamento (ou aprendizado) com agitação física à condição de ser um pensador (ou um aluno) medíocre. 

Alguns dizem que tudo isso acontece porque não sabemos mais disciplinar nossas crianças. Não queremos correr o risco de contrariá-las e de perder seu amor e, com isso, somos absurdamente permissivos; logo, insatisfeitos com nossa própria permissividade, tentamos corrigi-la com erupções de severidade descabida. Essa alternância piora a tensão e a agitação física e mental das crianças. Enfim, diante do TDA/H, três estratégias possíveis: 

1) sugerir mudanças no comportamento das crianças e dos adultos ao redor delas (há pequenos gestos que fazem uma diferença: organizar o trabalho escolar, acalmar e ordenar o ambiente familiar, desligar a TV durante as refeições );

2) entender os conflitos internos que talvez se expressem na falta de atenção e na hiperatividade da criança e tentar intervir;

3) medicar (descobriu-se que os melhores remédios não eram calmantes, mas estimulantes como Ritalina ou Dexedrina). 

No começo dos anos 1990, nos EUA, uma grande (e apressada) pesquisa chegou à conclusão de que medicar era o caminho mais eficiente —certamente, era o mais barato. Hoje, vários autores daquela pesquisa duvidam de suas próprias conclusões. Lamentam, por exemplo, que a gente, apostando nos remédios, tenha deixado de se ocupar do resto, que talvez fosse mais importante a longo prazo (“New York Times” de 30/12/2013). 
Mas o artigo do “NYT” não é uma novidade: numa matéria da “Der Spiegel” em 2012 (http://migre.me/hqR7i), Leon Eisenberg, um papa da psiquiatria norte-americana, encorajava os psiquiatras a voltar a se interessar pelas “razões psicossociais” que levariam a um “problema de comportamento”, como o TDA/H. Infelizmente, ele comentava, o interesse por essas questões leva tempo, enquanto prescrever uma pílula é coisa de um minuto. 

Nota aparte: para muitas crianças diagnosticadas com TDA/H, a falta de atenção depende da atividade na qual elas se engajam. Quase nunca falta a concentração exigida por um videogame, como não faltam a atenção esperada do goleiro ao longo de uma partida ou a paciência do surfista que aguarda uma onda, no fundo. Ou seja, o déficit de atenção não é uma inaptidão cerebral. Mas a pesquisa dos anos 1990, abençoando o uso sistemático da medicação, atrasou o trabalho de todos, terapeutas comportamentais, psicanalistas etc. 

Um artigo de 2007 (http://migre.me/hqROf) retoma uma tese antiga, que insiste desde os anos 1990, e que fala mais dos efeitos do TDA/H do que de sua origem: o TDA/H lutaria contra o sentimento de rejeição pelos pares, porque pensar é uma atividade solitária (com riscos de discórdia), enquanto é rápido e fácil se enturmar ao redor de ações e movimentações físicas. 

Enfim, resta um círculo vicioso clássico. Tal criança morre de tédio assim que abre um livro ou entra num museu; agora, sem cultura para enriquecer a experiência, é a vida dela inteira que se tornará mortalmente chata —inclusive a agitação que deveria garantir a distração”.
[Adaptado de ‘Crianças transtornadas ou mimadas?‘ – Contardo Calligaris, no Jornal Folha de São Paulo de 16/01/2014]

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One Comment

  1. Leana março 12, 2014 at 2:10 pm - Reply

    Obrigada pela indicacao de leitura. Acho mt pertinente pensar a crianca como um todo dentro do espaço social q ocupa. O assunto e polemico e bem interessante p ser lido.
    Atc
    Leana

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