Superação
No momento do ano em que as competições afunilam, parece importante apresentar algumas ideias sobre um tema muito presente, que pode ser também um clichê e, como tal, bem ou mal colocado. É o que se resolveu chamar ‘superação’.
‘Superação’ vem, naturalmente, acompanhada de ‘limites’. Supera-se alguém ou alguma coisa mas, no caso a que me refiro, este objeto costuma ser a própria pessoa, no sentido que todos compreendem de melhorar, evoluir, ultrapassar o próprio desempenho estabelecido. Mas pode não ser tão simples assim.
Voltando aos anos da primeira infância, todos carregamos, desde bebê, um sentimento de onipotência benfazejo, necessário para encarar a dureza da vida e sustentar a ilusão natural de que controlamos o mundo ao redor.
“His Majesty, the baby”, como sentenciou Freud, sabe muito bem fazer valer suas vontades e necessidades.
Este sentimento de onipotência, quando as coisas correm razoavelmente bem, vai cedendo ao diálogo com a realidade externa, objetiva.
O sujeito vai deparando de tempos em tempos com a força do mundo e se ajustando como pode no meio social.
Deste embate, entre onipotência pessoal e realidade externa, surge o resíduo da confiança em si – que é diferente de onipotência.
Pois bem: a confiança só é digna deste nome quando encarou, minimamente, os próprios limites – e sobreviveu. No sentido de conseguir lidar com eles, admiti-los, pois carregam a própria identidade da pessoa, aquilo que vai dizer quem ele ou ela é, como se reconhece e se apresenta. São limites corporais, imaginários, intelectuais, afetivos.
Para as crianças que jogam futebol e convivem razoavelmente bem com seus limites (diga-se também, sua identidade), faz todo sentido falar, na hora de competir, em “superar seus limites”. Muitas crianças, no entanto, demonstram uma fragilidade neste sentido. Elas ainda parecem buscar reconhecê-los.
São jogadores ainda muito onipotentes, que imaginam poder fazer coisas (jogadas, movimentos, gols) num nível que, notadamente, ainda não são capazes. Isso nada tem a ver com criatividade.
Demonstram na verdade uma fragilidade psicomotora que compromete sua habilidade e destreza e, no entanto, inflam o imaginário sobre si, na tentativa onipotente não de encarar a realidade das coisas, mas de se enxergar bom de bola. De ter que se enxergar bom de bola por algum motivo (ideal familiar, inserção social ou algum outro).
Quando esse verdadeiro malabarismo psíquico acontece, ocorre uma clara distorção na imagem que faz (ou precisa fazer) de si mesmo, e o jogador se encontra em maus lençóis. Para este tipo de aluno ou aluna, que ainda não pôde se haver com os próprios limites, não faz o menor sentido falar em superá-los, mas o contrário: trata-se de encontrá-los.
Para isso, deve poder contar com a ajuda dos adultos ao redor (uma turma legal também ajuda bastante), que poderão espelhar a criança. Não apontando de maneira cruel as dificuldades, mas mantendo uma postura tão serena, firme e afetiva quanto possível para ajudar o sujeito a enxergar-se e atualizar a imagem.
Como professores, buscamos a realidade do jogo: se o fulaninho não dribla bem e está competindo, na competição não é hora de escolher o drible como principal jogada, vai melhor a simplicidade do passe; se é veloz, que possa apostar nesta qualidade, não no jogo de corpo (e vice-versa); se é mais forte fisicamente, jogar numa posição que não exija tanta velocidade, e por aí vai. Existem várias estratégias que o jogo naturalmente abre como possibilidade.
Em nossa experiência, quando estes processos começam a funcionar, a onipotência pode ceder aos poucos; o jogador pode começar a pensar em ser útil ao time antes de tudo, encontrar um lugar viável; e, para nossa grata surpresa, não foram poucas as vezes em que, tendo encontrado e feito as pazes com seus limites, comece a apresentar até mesmo algum talento!
É fundamental também, claro, a ajuda familiar. Muitos pais ficam receosos em facilitar esse processo de espelhamento com medo da decepção da criança, e acabam por inflar seu imaginário ou, ao contrário, desqualificar o jogador em questão. A dificuldade de uma criança neste sentido pode refletir um drama familiar.
Descer da onipotência e conquistar alguma confiança é um processo delicado, se não vira um tombo que pode causar estragos. Para superar limites é preciso, antes de tudo, tê-los como reais, aceitá-los e, em certo sentido – como não? – amá-los.
Eles dizem quem somos nós.
Aquele abraço, saudações esportivas
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Obrigado Rodrigo!
Nada como a clareza de quem entende não só de futebol, mas entende os seres humanos. Muito oportuno! Como pai, sempre fiquei na dúvida se deveria incentivá-los, no que imaginava ser os pontos fortes, ou deixá-los experimentar e descobrí-los por eles mesmos. Ler seu post me fez enxergar como isso é individual. Abraço, Klaus.
Valeu, Klaus! Muito importante ter esse retorno! Aquele abraço!
Linda e delicada crônica Rodrigo .
Muito obrigada
Paula
Bravo, Rodrigo
Aproveito para parabenizá-lo pelo texto. achei maravilhoso, e um dos melhores de todos, se não o melhor! Compartilhei com inúmeros amigos e choveram elogios
desempenho , determinação , psicologia , malandragem ( no drible ! ) , integração
determinação , superação são apenas algumas das varias vertentes positivas dessa
Escola de Futebol !!!!!!!!! Parabéns Rodrigo pelo belo trabalho que vem nos agraciando
parabéns tambem a toda a equipe tecnica e ao Clube Militar que nunca deixou de apoiar
esse projeto !!! O sorte a minha !!!!!!!!!!!
Excelente texto,! Muito obrigado! Posso até te dizer que esse seu texto deu uma viralizada pois já o recebi de outros amigos!
Um abraço