Tempo de jogo
Cena 1: O menino, há longo tempo no clube, chamou a atenção do treinador. Estava jogando numa posição diferente em sua equipe, sem choro nem vela, após um acerto com os colegas do time. Mais: era uma posição de ataque, da qual sempre reclamava. Mais: bem posicionado, esperou o passe na medida e… fez um gol! O primeiro, primeiríssimo, nunca antes marcado ali no ginásio.
Corta.
Cena 2: Outro menino, da turma mais novinha em que ainda não há posições específicas (e nas quais há um amontoado de jogadores lutando pela bola) consegue, pela primeira vez, se meter em meio ao caos. Disputar, fazer cara feia e tirar a bola, com um bico bem dado, dos pés de um pequeno craque que habitualmente passava por ele sem cerimônia.
Em tese, duas cenas, nada de novo. Com uma lupa e alguma boa vontade, porém, um estalo. As duas cenas só foram possíveis em decorrência do tempo.
A percepção generalizada que denuncia, atualmente, uma temporalidade comprimida e sempre escassa, incide naquilo que se espera das crianças e no resultado que precisam alcançar.
É evidente que precisamos esperar algo das crianças, é mesmo um olhar e uma aposta na capacidade de meninos e meninas realizarem suas tarefas, aprenderem e se formarem social e subjetivamente.
O que estou tentando apontar é que, diante da pressa instituída, naturalizada de nossos dias, atropela-se inúmeras vezes o processo de amadurecimento de cada um.
Por ‘amadurecer’ entende-se, nestes casos: a percepção do corpo em relação ao espaço; o ataque decidido à bola; a agressividade necessária para executar o ato; o entendimento do que a situação exigia; a capacidade neuromuscular em executar o movimento.
Os meninos das cenas, reais demais para serem ignoradas, precisaram de, digamos, um tempo mais longo do que se poderia imaginar para chegarem a objetivos relativamente simples. Simples, no entanto, para pessoas mais habilidosas; ou para um olhar adulto desprevenido.
É de admirar, aliás, que demorando tanto tempo para participar efetivamente do jogo ou para fazer um gol, puderam permanecer na turma, fatalmente conhecedores de suas inabilidades.
É evidente que enxergavam algum ganho, usufruíam de outros aspectos, e puderam manter a chama do desejo: “vou conseguir”. Um desejo que pode ficar disfarçado mas, se um menino pouco habilidoso permanece numa turma de futebol, algo ali ele ainda procura.
É preciso que familiares e professores ajudem a sustentar suas possibilidades: lidar com a angústia das inadequações infantis e exigir o cumprimento de tarefas de acordo com as capacidades psicomotoras, apurando o olhar para pequenas conquistas.
Se, ao contrário, for exigido apressadamente aquilo que não podem entregar, o mais comum é a criança desistir usando subterfúgios, tais como “não gosto de futebol” ou outro qualquer que satisfaça o adulto e aplaque a angústia da sensação de fracasso – que pode emanar da família, do professor ou de ambos.
O entendimento do amadurecimento como uma função do tempo ajuda, ainda, a ampliar o que se entende por ‘resultado’.
Nas cenas relatadas, um singelo gol e uma boa bicuda na bola.
Aquele abraço, saudações esportivas
Excelente!
Acompanhando tudo isso aí!
Repetir repetir repetir e diferir. E assim vai…
Maravilhoso!
Lindo
Muito bom, camarada. Lendo e gostando bastante das suas reflexões. Concordo com seus insights e pensamentos sobre “jogo”, “brincadeira”, “esporte”, “competição”. O último texto também é bom demais, pra mim é quase um manifesto! Sigo lendo e acompanhando!
Beijo no abraço
Adorei esse post! A reflexão sobre a importância do tempo e do processo de amadurecimento para o desenvolvimento das crianças é fundamental nos dias de hoje, onde a pressa e a instantaneidade são cada vez mais presentes.
Parabéns pelo conteúdo e por trazer uma reflexão tão relevante para o nosso dia a dia! Parabéns também pelo trabalho desenvolvido junto aos nossos filhos! Muito obrigado!
Salve Rodrigo!
Que maravilha ler esse texto
Muito bonito o texto!
Parabéns!
Rodrigo,
Estava aqui na minha caixa de entrada aguardando a oportunidade de leitura, que ocorreu há poucos instantes.
Parabéns! Mais um texto perfeito! É um privilégio para (todos nós) crianças um professor com um olhar tão atento e perspicaz como o seu.
Grande Abraço