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Tombos

O menino fazia boa aula, se esforçava. Passou uns dias sem aparecer mas estava ali, firme.

No meio do treino foi chutar uma bola e – pimba! – furou. Estatelou-se no chão. O professor, de longe, fez uma graça, incentivou-o a levantar e ele assim o fez. Soava como um tombo nosso de cada dia.

Parecia que a aula iria seguir normalmente quando, ao dar uma conferida na situação, o menino estava no canto da quadra, saindo e dando queixa à babá, que já estava por levar embora o pequeno jogador. Numa fração de tempo, como quem defende uma causa muito importante, o professor travou pequeno embate para devolver o menino ao campo de jogo, ao barro da vida.

A babá parece não ter apreciado muito, mas o rapazinho voltou com olhos esbugalhados e miou: “Tá doendo muito, professor!” Sentaram-se à beira da quadra, a atividade seguinte já estava funcionando e a turma, aplicadinha. Com um punhado de palavras, poucas até, foi passada a mensagem: “Fulano, existem dores suportáveis. Acredito que essa dor seja suportável pra você. Se não fosse, dificilmente você conseguiria correr como correu até aqui quando chamei. Não quer tentar treinar mais um pouquinho?”

Voltou. Enxugou as lágrimas, treinou até o final. Ganhou um soquinho de cumprimento (estilo pandemia) e foi-se embora, orgulhoso da bravura.

Nenhuma novidade até aí, mas pensei num comentário.

A capacidade de atravessar dores comuns e seguir em frente, base para lidar com os grandes revezes da vida, não é inata. Existe o ‘potencial para’, que, no entanto, só será de serventia se for colocado à prova. O elemento essencial para que esse processo amadureça é a confiança do adulto – na criança.

Confiar na criança não significa acreditar em tudo o que ela faz, diz ou pede, enuncia. Até porque – sabemos – pedidos podem vir, justamente, com sinal trocado. No caso acima, o aluno em questão tateava (buscava descobrir) seus próprios limites. Que, se acatados prontamente por quem busca acolher, podem cair no risco de confirmar  um limite muito baixo, quase resvalando no “você não consegue mesmo”.

Curioso como, ao receber um olhar e algumas palavras de confiança, o aluno pôde retornar à quadra. É lícito pensar que saiu mais confiante da aula tendo superado uma adversidade à sua altura e que, caso algo semelhante se repita, terá a experiência como parâmetro razoável de suas possibilidades.

Como tais medidas não têm fórmula, nem manual, talvez eu esteja tentando dizer que o olhar do adulto é aquilo que pode fazer diferença. A forma e a intensidade do retorno que poderemos dar em situações assim vão dizer da profundidade com que buscamos perceber a situação, personalidade ou momento de cada criança.

Dito de outro modo, do vínculo afetivo que conseguimos estabelecer com cada uma delas.

Faz diferença.

Aquele abraço, saudações esportivas

This Post Has 5 Comments

  1. Oi Rodrigo.
    Excelente como sempre. Essa foi muito construtiva para nós, pais e também educadores, que estamos rotineiramente diante de situações semelhantes.
    Obrigado por compartilhar.
    Abraço,
    Caio

  2. Fala Rodrigo

    Eu vi essa cena, você fez muito bem. E o garoto ainda fez gol depois no jogo, estava nitidamente feliz de ter ficado.

    Abraços!

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