Amigos
A aula ainda estava no início, mas o fulaninho parecia amuado. Não era de seu feitio. O professor se aproximou, assim como quem não quer nada. Desconversou pra cá e pra lá, mas o menino não deu muita bola. Passados alguns minutos, o aluno vai ao mestre e diz: “A turma hoje tá meio vazia, né?” – e faz cara de muxoxo, como quem espera uma resposta definitiva.
O professor tinha uma fração de segundos para juntar os cacos desta pequena história e tentar entender o que o rapazinho queria dizer de verdade, nas entrelinhas. Aquilo que escapa, que não tem uma lógica aparente (especialmente aos olhos do adulto), mas que exige uma resposta. O professor, evidentemente, era eu. Num par de tempos, dei uma geral na turma com os olhos, não estava vazia. Dois ou três haviam faltado, foi aí que me dei conta: zezinho, melhor amigo do fulaninho, não estava lá. A sofisticação das demandas infantis exige uma sagacidade do adulto. É claro que, sem o melhor amigo presente, a turma parecia vazia.
Me abaixei um pouco, o tanto que os joelhos hoje permitem, e tentei esclarecer a situação. Um pequeno drama que merecia atenção mais cuidadosa, mesmo com a aula rolando e o relógio pressionando como sempre, neste século apressado. “Olha fulano”, comecei, “parece que o Zezinho não veio hoje. Deve ser por isso que você sentiu que a turma estava vazia. Vamos contar?” E contamos. Dezessete alunos, se não me engano. De um total de vinte. Mas não importava a quantidade. Era de afeto que ele estava falando. Um bastante precioso: a amizade. Eles estão ali pelos cinco anos e se importam muito com essas coisas.
Interessante foi perceber que, diante da minha explicação, o aluno pôde dar vazão a um sentimento e, mais do que isso, reconhecê-lo, atá-lo à realidade, que não era exatamente a que ele desejava. Fulaninho conseguiu me dizer, à sua maneira, que estava se sentindo só, mesmo cercado de gente. Experimentava um sentimento de solidão. Quem nunca?
Intuo que, se eu deixasse passar aquela pergunta como uma bobagem, o aluno estaria em vias de dar uma desculpa qualquer, não fazer a aula, treinar arrastado. Ao contrário, quando alguém conseguiu escutá-lo, ajudou a decifrar o mistério contido naquela frase (‘a turma está vazia’, mesmo que a quadra estivesse cheia).
Ajudar a criança a reconhecer aquilo que ela sente é um convite a atravessar momentos mais difíceis. A negociação com a realidade é uma habilidade que o sujeito vai adquirindo enquanto amadurece, e para isso conta com a ajuda das pessoas que funcionam como referência. Diante do sentimento de solidão, que pesou, o menino da história estava meio paralisado, não sabia muito bem o que fazer com aquele incômodo.
Em algum lugar da sua psique ele sabia o que estava acontecendo, daí a frase engenhosa apontando para o vazio. Que, na verdade, não era na quadra, mas em seu coração. Precisou da minha ajuda para que eu confirmasse a realidade – interna e externa! Ao se sentir ajudado, voltou a treinar numa boa, apesar da ausência do melhor amigo naquele dia. Fez sua travessia cotidiana.
Aquele abraço, saudações esportivas
Legal, Rodrigo, muito legal. Um abraço!
é sempre um presente receber seus textos. incríveis, Rodrigo. sou sua fã!!!
Que história linda! Obrigada
Boa Biga!
Excelente!
Que fofo!
Você escreve com emoção. Como coração.
🙂
Você por aqui! Apareça! Bjs
Beleza, Rodrigo. Muito bom o texto de hoje. Meus sinceros parabéns.
Vai para o livro (II).
Grande abraço.
Valeu, pessoal! O Chutebol agradece o carinho!
Puxa Rodrigo, que texto lindo, que sensibilidade!
Boa Rodrigo!
Poucas pessoas sabem ouvir, especialmente ouvir uma criança…
Muito bacana a percepção sobre algo aparentemente comum…
Que sorte do fulaninho ter vc como professor! Sempre atento e cuidadoso!
=)))
Prezado Rodrigo,
escrevo para parabenizar pelo seu trabalho, não apenas na escolha mas especialmente em seus textos.
Este é muito legal e, em especial, me tocou demais o que você abordou a questão da transferência dos padrões profissionais para as crianças. Fiquei muito emocionada mesma.
Agradeço do fundo do coração todo o apoio ao Daniel.
Um forte abraço
Cecilia
(mãe do Daniel)
Caro Rodrigo,
Sempre um prazer ler suas mensagens. Essa é especialmente bonita.
Oi Rodrigo, não me surpreende saber que nosso filho tem a sorte de te-lo como mestre, como exemplo, como AMIGO. Poucas pessoas sabem ouvir, especialmente ouvir uma criança. E são raras aquelas que ouvem com o cuidado, a delicadeza e a sensibilidade que vc possui. Ele nunca se sentirá só enquanto tiver vc por perto. Muito obrigada. Beijo grande