Cabe na cabeça??

Por Rodrigo Tupinamba Carvao
em 24/10/2012 |
Categorias: Sem categoria
Ano após ano – antes em dezembro, depois em novembro e agora já em outubro – uma questão que aflige pais e crianças, muitas vezes famílias inteiras, vem ganhando dimensões outrora impensáveis e, mesmo, virando um grande fardo: os diversos testes, vestibulinhos, avaliações e as ‘convivências‘ para se matricular o filho na escola. Posso acompanhar crianças pequenas e, muitas vezes, é um sofrido processo. Cada vez mais cedo, aos 4 anos, por exemplo. Creio que vale a reflexão.
Muita gente boa já se aventurou a falar sobre isso, mas entendo não estar chovendo no molhado, pois levanto uma questão: afinal, o que é preciso uma criança fazer para ser aceita, ser considerada, digamos, ‘apta’ para ingressar nesta ou naquela escola? Em meio a muita falação, desinformação, achismo e teorias mágicas, lembro de um sujeito que é muito evocado, mas talvez pouco lido: ele mesmo, Jean Piaget. Na tirinha, Mafalda nos ajuda a pensar:
[CLIQUE NA IMAGEM!]
“As duas falhas essenciais do exame escolar consistem, na realidade, no fato de que em geral ele não possibilita resultados objetivos e acaba se transformando fatalmente em um fim em si mesmo (pois até os exames de admissão sempre constituem, aliás, exames finais: o exame de admissão à escola secundária transforma-se em um objetivo da educação primária, etc.). 
O exame escolar não é objetivo, antes de mais nada, porque implica sempre um certo contingente de sorte; além disso, e sobretudo, porque está mais voltado para a memória do que para as capacidades construtivas do aluno (como se este último estivesse condenado a nunca mais utilizar seus livros após deixar a escola!); também, todo mundo pode verificar quão pouco corresponde a classificação resultante dos exames ao posterior rendimento dos indivíduos pela vida afora.
O exame escolar torna-se um fim em si mesmo porque passa a ser o centro das preocupações do professor, em vez de favorecer a sua vocação natural para despertar consciências e inteligências; orienta ele todo o trabalho do aluno para o resultado artificial, o bom êxito nas provas finais, no lugar de apelar para as suas reais atividades e sua personalidade.
(…) É preciso que um bebê saiba andar com ‘x’ meses, sob pena de se tornar torto das pernas; é preciso que um pequerrucho da escola maternal saiba ler e contar até 20 aos ‘x’ anos, quando se aconselha a nada forçar artificialmente e consagrar esse período de iniciações, precioso mais que todos, a estabelecer os fundamentos mais sólidos possíveis. Ora, as atividades múltiplas de manipulação e construção, que são necessárias para assegurar a subestrutura prática do conjunto dos conhecimentos ulteriores, são encaradas como um luxo inútil e uma perda de tempo, retardando simplesmente aquele momento solene, esperado por toda a tribo, quando o neófito saberá ler e contar até 20! E assim, da mesma forma, a cada nova etapa…
(…) Mas, para avaliar a razão de ser da conservação de tal sistema (…), é preciso sem dúvida recorrer a motivos profundamente entranhados no inconsciente dos homens!”
[Adaptado de ‘Para Onde Vai a Educação?‘ – Jean Piaget, 1972]

***
Fórmula pronta não há, mas a reflexão é sempre importante: em que curva do caminho se perde de vista aquilo que é próprio da infância, para submeter cada vez mais uma criança a um verdadeiro crivo de aprovação social e expectativa de ‘sucesso‘ na vida? Qual a responsabilidade das próprias escolas nesta via-crucis da admissão? E do governo? Isso é pedagogicamente responsável? São questões para uma sociedade (supostamente) amadurecida poder discutir e se posicionar, e não apenas ficar se submetendo a condições impostas que geram, no mais das vezes, sofrimento talvez desnecessário. E aí tome de especialistas, psicopedagogos, transtornos disso, déficit daquilo, um caminhão de dinheiro gasto – em nome de quê? Não se trata de uma visão poética, idílica, de uma infância perfeita perdida, nada disso. Mas de uma responsabilidade no trato com a criança.
No fim das contas, ganha um doce aquele que adivinhar quem aparece, diversas vezes, como a grande culpada por um eventual insucesso na empreitada.

O que você pensa? Já viveu este contexto?
Mande o seu comentário – ou o seu desabafo!

Aquele abraço, saudações esportivas

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3 Comments

  1. Renata outubro 24, 2012 at 4:05 pm - Reply

    Essa é uma reflexão que, sem dúvida, todos devemos fazer. Parece que foi negado o direito das crianças simplesmente serem crianças.

  2. Camila outubro 26, 2012 at 10:43 am - Reply

    O que acontece? O que fazemos com nossas crianças? Qdo olho para um bebê, vejo um ser humano na sua forma mais sutil, pura, delicada e bruta que aos pouquinhos vai se comunicando com os outros "seres" que com ele convivem, É aí que erramos a mão…Quer dizer, nem sempre. No fundo mesmo, acho que temos muito mais q aprender com eles do que eles conosco…

  3. Ana outubro 31, 2012 at 12:56 pm - Reply

    Oi, Rodrigo!

    Fui visitar seu blog intrigada pela matéria da Revista do Globo: professor de educação física e psicanalista?

    Eu sou advogada e atriz e sempre fico curiosa para saber como as pessoas conjugam interesses e atividades aparentemente distantes nas suas vidas…

    Bom, na verdade o e-mail é para elogiar o seu blog – eu, que sou uma amante da psicanálise mas não tão afeita à educação física, curti até os posts estritamente futebolísticos…

    Parabéns pelo seu trabalho, tanto no blog quanto com as crianças! Fiquei me perguntando de onde eu tirei que futebol e psicanálise são atividades distantes…

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