Cultura da violência
As trágicas estatísticas não deixam dúvidas quanto ao fato de que somos, mais que uma cidade, um país violento. A percepção da violência, neste momento de crise da segurança pública, termina, evidentemente, por chegar – além dos fatos em si – ao imaginário cotidiano de crianças e adolescentes.
Durante as aulas, podemos perceber as conversas, as estratégias para se locomover na cidade, o assombro com o noticiário, o medo dos familiares. Muitas cidades brasileiras, pequenas e grandes, têm proporcionado um ambiente terrível impossibilitando que meninos e meninas consigam viver com tranquilidade e aventurar-se em descobertas – percorrer ruas e praças, brincar, usufruir de liberdade.
O assombro da violência precisa ser combatido, além do poder público, pelos locais aonde as crianças (ainda) podem conviver, socializar, aprender e se formar como cidadãos. Estou falando das possibilidades para se combater, mais do que as guerras urbanas em si, a cultura da violência a qual estamos submetidos.
O futebol, notadamente, é um destes espaços.
Ocorre que, como um ambiente permeável ao mundo social mais amplo, o futebol também tem repercutido uma maneira rude, agressiva e mesmo violenta de viver e se relacionar. O modelo oferecido tem sido, demasiadamente no Brasil, a cultura de ganhar na marra, dos ‘guerreiros’. Isso é visto desde as categorias de base até os times profissionais, que deveriam dar exemplo bem melhor.
Pessoas em formação necessitam de exemplos melhores com os quais possam identificar-se e se sentirem valorizados. Evidente que a disposição e a valentia fazem parte e são necessárias, no futebol e na vida – mas como sinônimo de coragem para jogar, para viver. Não para reforçar a noção errônea e moralmente injustificável de que, mais do que vencer, é preciso destruir o oponente. Jogador joga bola.
Pais e mães, familiares em geral, ficam em situação muito difícil para dar conta das premissas educacionais para seus rebentos, se outras instituições não fizerem sua parte – e aqui desejo chamar a atenção para os clubes de futebol no Brasil.
É preciso, mais do que nunca neste momento, assumir compromisso inequívoco com outro modelo: o do futebol como prazer, convivência, solidariedade, beleza, com a clara adoção de parâmetros morais sem os quais a disputa e a vitória não têm valor educativo algum.
A imensa maioria de crianças e adolescentes que jogam futebol, no Rio, no Brasil e no mundo, não serão atletas. É para elas que devemos nos dirigir ao fundamentar nossas práticas pedagógico-esportivas. Fará bem também aos futuros atletas, podem apostar. Ninguém nasce profissional.
O futebol tem enormes possibilidades para ser um pólo irradiador de uma cultura de paz, porque toca o coração das pessoas. Não podemos nos dar ao luxo de abrir mão disso.
Depende mais das práticas adotadas do que de palavras vazias e faixas estendidas no centro do gramado.
Aquele abraço, saudações esportivas
Boa, Rodrigo! Além do bom conteúdo dos seus textos, você sabe escolher bem os temas. Está atento. Enquanto meu filho era bem pequeno, evitei o assunto em casa, porque senão a criança vai ficando apavorada com uma coisa que tem dificuldade de entender – só sente medo e – sei lá! – pode nem querer mais sair de casa. Sempre controlei o acesso ao noticiário, cheio de notícias de assaltos, mortes, estupros, guerras, gente sendo degolada… Por pior que esteja a realidade nesse aspecto, a proporção desses assuntos no noticiário é bem maior do que no cotidiano real. Agora que está maiorzinho, já tem condição de compreender melhor e, na verdade, o assunto chega autonomamente a ele, via amigos, vizinhos, noticiário, escola etc. Vamos explicando, conversando, orientando.
É isso aí!
Rodrigo,
Este texto foi sensacional, foi daqueles que quando acaba a gente pensa: “mas já?? Acabou tão rápido”.
Nos leva a valiosas reflexões sobre a cidade, a educação, e nossa posição diante de tudo isso.
Parabéns.
Abraços,
Caio