Fazer nada

Por Rodrigo Tupinamba Carvao
em 04/08/2015 |
Categorias: Sem categoria
Prezados (as),
O Chutebol volta às aulas nesta semana, e esperamos que todos tenham curtido bastante as férias! Afinal, já deixou de ser novidade, ou estranheza, que a vida anda corrida e que isso chega cada vez mais cedo – e mais rápido – à infância. Mais do que nunca, então: férias, pra que te quero!

Mas, pensando bem, o que chamou a atenção no finzinho de Julho, pouco antes do nosso recesso, foram alguns casos em que os pais vieram dizer que “o Zezinho não vem nesta semana porque já está de férias na escola e pediu pra ficar sem fazer nada“. Sem compromisso. Nem futebol. Ficar sem fazer nada. Numa palavra: ócio. 
É claro que cada um vai aproveitar os dias de folga à sua maneira, as subjetividades são distintas. Mas não deixa de ser sintomático dos nossos tempos o pedido inusitado de uma criança que, ao vislumbrar o fim de um período de compromissos quer, digamos, descansar. Quer dizer: parece que a linha que separa a infância da vida adulta, como um período de temporalidade peculiar, já não é tão bem definida. Guardadas as proporções, a rotina infantil agora se apresenta como uma rotina de trabalho (estudos e compromissos) que precisa de descanso antes de poder brincar e se divertir. Eles, como nós, adultos.

É verdade que temos muitos cuidados com a infância: cuidados médicos, cognitivos, especialistas diversos, enfim, toda uma compreensão do que um sujeito precisa para crescer e se desenvolver de acordo com os ideais que representam seu nicho social. Isso é bom. Mas cabe a pergunta: qual é o tempo da infância? No que se diferencia da vivência adulta do tempo? É tão somente uma preparação para a idade adulta, com o preenchimento, pelo sujeito, de toda sorte de atributos que vão fazê-lo capaz de operar uma certa função social? É esta nossa escolha para a infância?

Porque se o pequeno aluno pediu, explicitamente, tempo para o ócio, (percebam, não era para brincar de bola ou de qualquer outra coisa), considero isso sinal de saúde. É tempo para o devaneio, para viver o vazio, até mesmo o tédio. Tudo soa como uma espécie de reação incontida ao tempo comprimido vivido pela meninice atual.

O amadurecimento dos potenciais da criança, para além das necessárias capacidades cognitivas, demanda um tempo próprio. Que é o tempo do brincar, do não fazer nada – até para poder imaginar, criar algo a partir desse vazio de imperativos (escola, cursinho, inglês, terapeuta etc). Quando falo em potenciais, me refiro principalmente à capacidade de ser espontâneo e criativo. Estes dois termos podem soar românticos ou ingênuos mas são, na verdade, os alicerces das melhores capacidades sociais e afetivas, e não são poucas as crianças que nos chegam carecendo de um empurrão neste sentido.

Pois bem, sem idealizar o passado, mas pensando alto: além dos cuidados dos especialistas, no que difere atualmente o tempo da criança do tempo do adulto? Esta resposta está clara para nós, hoje em dia? Ou melhor: nas condições da rotina em que vivemos, como é possível – se assim desejarmos – sustentar um tempo singular para a infância?

Aquele abraço, saudações esportivas

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6 Comments

  1. Cecília agosto 5, 2015 at 11:46 am - Reply

    Adorei o post Rodrigo!
    O Teo foi um desses, disse que nas férias não queria ir nem ao futebol nem ao judô. Perguntei se ele não gostava das atividades e ele respondeu que sim, que gosta, mas que estava de férias. E que nas férias ele queria brincar o dia inteiro, desde a hora que acordasse até a hora de ir dormir. Achei graça, mas resolvi respeitar, afinal, não tinha nem como contra-argumentar. Férias são férias, não é verdade?!

    Bjs,

    Cecília

  2. Davy agosto 5, 2015 at 11:48 am - Reply

    Outra vez: Muito bom, Rodrigo. Excelente a sua percepção e o seu comentário. "Pensem bem, pais e mães, sobre o que vocês estão fazendo com (ou de) seus filhos." É essa a mensagem, não?
    Abração.

  3. Rodrigo Tupinambá Carvão agosto 5, 2015 at 11:48 am - Reply

    Valeu a força!

  4. Estêvão Bastos agosto 7, 2015 at 10:02 am - Reply

    Rodrigo,
    Ótimo texto, como de costume. Aliás, seus textos estão na categoria dos que não deixo para depois – leio assim que chegam.
    O Felipe foi um que fez tal pedido: ficar sem fazer nada. Mas lembrei-me de um fato contraditório: é comum, no dia-a-dia, ele dar sinais de que não consegue ficar sem fazer algo por um minuto que seja: “o que eu vou fazer agora”? (Não estou bem certo, mas talvez isso aconteça mais quando eu mando ele parar de jogar videogames, como quem diz: “se eu não jogar, vou ficar te importunando”…). Eu estranho que ele não consiga ficar sem fazer nada. Porém, neste caso das férias, foi como você relatou. Depreendo que ele encara o futebol e a natação como compromissos, embora se divirta neles. De fato, tem horário, instrutor, regras… coisas que não combinam com a ideia de férias.
    Sou bastante atento a esse problema de não sobrecarregar a criança com compromissos. Porém, na minha infância, em que havia menos compromissos, o tempo livre era preenchido com atividades variadas, que o pequeno quintal da casa, os amigos da rua e o clube, ao qual eu ia a pé e sozinho, proporcionavam. Além de… ficar à toa! Deitado no quintal, olhando para o céu… Já no caso do meu filho, o tempo que não é preenchido com o inglês, a natação, o futebol e o dever de casa é consumido na maior parte com a TV e o videogame. E também, felizmente, com algumas brincadeiras de imaginação, com bonecos dos Angry Birds ou Gogos (do álbum da Disney). Não sou radical contra os games, vejo-os como um brinquedo dos dias atuais, mas é bem claro para mim que seu uso excessivo deve ser evitado.
    Enfim, como a alternativa predominante é o game e não o ficar à toa, alguns compromissos são muito bem-vindos. Penso que o importante, como em muitas outras coisas, é não exagerar e procurar um equilíbrio.
    Um abraço e obrigado pelo texto!

  5. Ana agosto 7, 2015 at 2:11 pm - Reply

    Grande abraço! Parabéns pelo ótimo trabalho que vocês vem realizando com as crianças.

    Ana Beatriz

  6. Rodrigo Tupinambá Carvão agosto 11, 2015 at 10:54 am - Reply

    Pois é Estevão, esse é precisamente o ponto: a criança ainda se vê em condições de 'fazer nada'? Se não, o que isso acarreta em seu desenvolvimento? Isso, a meu ver, é algo muito importante a ser pensado – e escolhido – pela sociedade.

    Grande abraço

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