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Futebol & Carnaval

Prezados (as),
Se não me engano foi Woody Allen quem lembrou que, às vezes, um clichê é tudo que nos resta. Digo isto porque, acompanhando a folia dos blocos de carnaval do Rio, me ocorreu a mais que batida analogia entre carnaval e futebol. Mas creio que realmente tenho um ponto a colocar. Prometo me esforçar para que este clichê, ao menos, respire.
[Mocidade Independente de Padre Miguel, 2013]
O consagrado psicanalista inglês Donald Winnicott, em sua teoria sobre o Brincar (com B maiúsculo mesmo), postulou que a brincadeira é uma zona intermediária entre a realidade e a ilusão; e é precisamente a capacidade de habitar esta área paradoxal que vai determinar a capacidade do sujeito em usufruir dela. De tal maneira que toda criança sabe que, se o amigo está viajando demais na maionese, a diversão perde a graça – por não atender minimamente ao, digamos, princípio de realidade. Por outro lado, uma criança que gosta de brincar também reconhece quando o fulaninho não consegue se soltar de verdade – pois fica muito preocupado com pormenores e detalhes irrelevantes no mundo do devaneio, mundo este que é próprio de quem se diverte. A brincadeira fica chata, aborrecida, e perde seu valor.
Dado que as maneiras de brincar seriam infinitas e as intensidades variam, é notável que a capacidade de se entregar a esta atividade é um sinal de saúde psíquica, para crianças e adultos. O modo como cada um irá fazê-lo vai dizer de sua própria constituição subjetiva e apropriação do laço social em seu nicho.
Assim que, dos verbos que indicam a atitude daqueles que participam do carnaval, ‘brincar’ me parece particularmente feliz. Mas quem sabe, efetivamente, brincar carnaval? Ora, aquele que consegue adentrar sua magia. Para tanto, nada mais indicado do que ela, a fantasia – a rainha do baile. Na Sapucaí ou nas ruas da cidade, a brincadeira carnavalesca se faz a partir do portal aberto pelo simples fato de vestir-se, operando a transformação em personagem: índio, mosquito da zika, cigana, presidente… Pela fantasia, o sujeito adentra o terreno ao qual se referiu Winnicott, a zona intermediária que é o lugar do lúdico em si. Essa é a grande fonte da diversão: poder usufruir de uma realidade modificada mas, ainda e paradoxalmente, uma realidade. E, como nos jogos infantis, tem sempre aquele mané que passa da conta e que não sabe brincar, incomoda com sua agressividade excessiva. Viajou demais.
Tudo bem, mas… e o futebol? Ora, me parece bastante legítimo pensar que, se um bloco de carnaval é bom quando as pessoas conseguem brincar, o futebol (jogado ou assistido) é gostoso quando é divertido. Não é preciso entender de futebol – como sugerem alguns, pernósticos – para saber se o jogo está bom ou não. É claro que os aficcionados poderão enxergar qualidades táticas e alguma beleza em estratégias e que tais mas, mesmo a anedótica namorada emburrada pode enxergar beleza num golaço do jogo que o namorado está assistindo. Um pequeno sorriso é inevitável. A beleza é um componente desejável nas fantasias de carnaval, assim como nas jogadas do futebol.
Quando se está numa partida, a maioria dos jogadores tem a sensação de que ‘a pelada está boa’ quando existe o combustível do elemento lúdico: as boas jogadas, as fintas que dão graça; o esforço coletivo e individual (componentes da realidade) servindo como suporte para o devaneio do drible. Ao contrário, quando predomina uma atitude competitiva extrema, na qual os jogadores estão excessivamente preocupados com o resultado da partida, o que acontece na maioria das vezes é que o jogo fica chato. Jogadas ríspidas, agressão ao adversário; afronta ao árbitro (que é o próprio garantidor da lei, do princípio de realidade para que o jogo possa fluir). É quando se perde o fio da meada com a realidade. No mais das vezes sobrevém a adoção de uma postura ressentida em caso de derrota, ou de deboche em tom de humilhação – que é diferente da alegria – em caso de vitória.

A vontade de vencer, quando é saudável, consegue preservar o sentido último do jogo em si, que é participar desta realidade modificada – o universo lúdico. E a prova mais cabal que tenho visto disso é simplesmente acompanhar os jogos do Barcelona. O clube catalão cunhou uma máxima que, a cada entrevista de seus craques, se repete. Ao entrarem em campo, tendo a consciência de seu esforço nos treinamentos, só cabe o óbvio ululante ao responder à pergunta do repórter sobre o que esperam de seus companheiros em mais um jogo decisivo. A resposta em tom sereno, de Messi, Iniesta & Cia, no mais das vezes é: “Que lo disfruten“.

Desfrutemos, pois.

Aquele abraço, saudações esportivas

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