Frustração
O sentimento de onipotência está na base do desenvolvimento infantil. É uma ilusão benfazeja. Um bebê tem de ser atendido praticamente o tempo todo, a partir de uma mãe comumente devotada aos seus cuidados, bem como do entorno a quem todos fascina. His Majesty, the baby, disse Freud. Se estas coisas correm bem na vida da pessoa, adquire-se aos poucos a confiança necessária para avançar sobre o mundo e seus objetos, conhecê-los, experimentá-los, tentar dominá-los. Quando a criança vai assumindo mais jeitão de criança e menos de bebê, esta onipotência vai cedendo a olhos vistos; ela consegue então realizar pequenas tarefas e seu processo de socialização começa de maneira mais efetiva, dentre outros aspectos pela própria capacidade psicomotora em franco desenvolvimento.
Assim, neste processo, lidar com as frustrações – que vão se apresentando na vida mais ampla – tem relação direta com a capacidade de fulano ou beltrano em poder ceder de sua onipotência. A criança em boas condições de saúde pode declinar pouco a pouco de seus caprichos, na medida em que enxerga ganhos aí. As aprendizagens, as amizades, o brincar sem a presença do adulto… Evidente que não há uma medida exata devido à singularidade humana, mas é também evidente quando a tolerância à frustração está em baixa a ponto de prejudicar ele ou ela em suas atividades cotidianas.
Poder viver a frustração, com a ajuda do adulto, facilitará à criança justamente o deslizamento ao qual me referi acima: oni > potência. Digo, entre uma perfeição imaginária (“a bola está estragada, eu não tenho dificuldade alguma”) e o medo de um fracasso total aos olhos do adulto (desistir, por conta do insuportável da frustração em si), o importante é ajudá-la a adentrar o terreno do possível. Pois é aí, neste fino ajuste entre os mundos interno e externo, que se dará algo como um sentimento de potência de vida, mais amadurecido. De ‘ser capaz de’. Trocando em miúdos: potência é diferente de onipotência. A primeira admite o incontornável da condição humana. Logo, é real.
Voltando ao meu amigo da história, ele continua fazendo os exercícios, olha pra mim ressabiado, parece querer que eu confirme se ele é bom ou não. Às vezes faço cara de paisagem, quando sinto que ele já pode seguir por conta própria; noutras, vou até lá escutar seus choramingos. Mas acho que ele está se convencendo: não é possível que a bola esteja sempre estragada.
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12 Comments
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Excelente! Você é um ótimo psicoterapeuta! Abração – bem grande!
Muito bom!
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=)
Bom texto, Rodrigo.
Já pensou em publicar uma seleção deles?
Abs,
F
Tá no forno!
abs
Muito maneiro!
Muito bom exemplo Rodrigo. Um abraço.
Professor, parabéns!! Excelente tema e abordagem. Obrigado por permitir a reprodução em nosso site!! Grande abraço e que continue com esse trabalho de excelência.
Valeu a parceria!
Muito bacana!
Nos dias de hoje vemos muitos adultos deslocando sua frustração em outros, e até outras em coisas. Muito boa sua abordagem.
Abraços.
Professor Enio