Futebol e Justiça

Por Rodrigo Tupinamba Carvao
em 21/04/2014 |
Categorias: Sem categoria
Caros(as),
Na semana passada muito se falou sobre a final do Campeonato Estadual do Rio, quando Vasco e Flamengo se enfrentaram mais uma vez. Como o tema envolve discussões morais sobre o esporte, ficamos pensando em como falar sobre isso com as crianças – já que, pra nós, tudo isso está longe de ser um assunto simples, como se bastasse marcar uma posição entre certo e errado. O que, é claro, nem por isso deixam de existir. Complexo, não? Paixões clubísticas à parte (no que for possível!), vamos tentar uma palhinha.
[Maradona em ’86: Gol de mão para a História]
Curioso é que a ideia para esta postagem surgiu de uma conversa – não uma discussão – minha (sou Flamengo) com Tiago (nosso outro professor, que é Vasco). Rimos um do outro, pois de saída lembramo-nos de como é difícil desvincular nossas posições sobre o assunto de nossas paixões futebolísticas. Algo disso, confesso, é realmente irredutível. Eu não queria estar do lado dele no jogo que passou…
Daí que percebemos duas posições que tentamos fugir: a primeira, mais evidente, a da desfaçatez, posta à prova pelo goleiro Felipe: “Ganhar roubado é mais gostoso“, disse o atleta. Bem, isso na mesa de bar está para a gozação. No entanto, para um atleta profissional em público, sabendo que representa uma instituição e que afetará milhões de crianças com seu ‘exemplo’, é vexatório. Repudiamos. Pois bem, Felipe desculpou-se, não sem antes dizer que o futebol está muito chato. É verdade. E, no caso brasileiro, muito decadente, como sabemos. Que jogo medonho este da final.
A segunda posição que tentamos afastar é talvez mais difícil: a que concluímos ser uma espécie de moralismo. Tirar o título do Flamengo; anular a partida; dizer que o título não foi legítimo. Nos parece exagerada. Não encontra respaldo na História do futebol. Maurício empurrou Leonardo em ’89 e entrou para o almanaque, dando o título ao Botafogo em cima do Flamengo. Zico teve a camisa rasgada por um italiano dentro da área em ’82, o juiz não deu nada e perdemos com uma seleção brilhante. Maradona levou a Argentina ao título, com sua genialidade e com a ‘mão de deus’, segundo ele (gol de mão contra a Inglaterra em ’86). Vamos agora rever tudo num tribunal?
Os exemplos são fartos. Claro, não devemos por conta disso nos transformar em monstrengos perversos que menosprezam a Lei. Não é nada disso. O que estamos tentando dizer é que o futebol, assim como a vida, não tem muito apreço pela ideia de justiça. Talvez por isso a busquemos tanto, nós humanos. Para dar um sentido à existência. O futebol pode ser muito cruel, como foi recentemente com os vascaínos. Sua queixa é mais que legítima – mas nem por isso o título do Flamengo é menos legítimo. Um paradoxo.
No que coube ao Flamengo, como mérito: o hábito de jogar até o final das partidas. Isso é um pedido, um incentivo constante nos jogos do Chutebol – “Até o final!“, bradamos em quadra. Já ganhamos e perdemos com erros de arbitragem. Acolhemos o choro e o sorriso e, ao final, o imperativo: “Pode ir até lá cumprimentar o adversário”. Talvez seja uma maneira de ensinar às crianças que muitas vezes a vida não é justa, mesmo. Mas nem por isso vamos nos resignar. Sigamos buscando a justiça. Futebol é dureza!
Aquele abraço, saudações esportivas

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6 Comments

  1. Hippies de Ray Ban abril 28, 2014 at 4:11 pm - Reply

    Mandou, Biga! Posso acrescentar alguns poucos elementos nessa discussão? Geralmente problemas com arbitragem só interferem quando há muito equilíbrio entre as equipes, ou seja, quando qualquer das duas mereceria, por justiça, a vitória. Se quisermos invocar a tal "justiça", devemos pensar nisso. Todos os exemplos que você deu se incluem: Flamengo 1 a 1, Botafogo 1 a 0, Argentina 2 a 1, Brasil 2 a 3… qualquer das equipes que ganhasse, ganharia com justiça pois foram jogos equilibradíssimos. Portanto, não há exatamente injustiça. Nesses casos de equilíbrio existem apenas erros pontuais, seja da arbitragem, seja dos jogadores, que definem o resultado da partida. Justiça é algo maior. Se profissional do futebol, eu trabalharia com a ideia da minha equipe ser muito melhor que o adversário, pois nunca vi uma arbitragem prejudicar um time quando é muito melhor, quando cria muito mais oportunidades de gol, quando tem muito mais técnica para resultar em gol as criações, quando mete 3, 4, 5 gols e se defende com organização, quando tem mais controle emocional para não cometer faltas perto da área, ter jogadores expulsos, ceder escanteios, fazer penaltis. Sou vascaíno, mas avaliando o Vasco estritamente do ponto de vista técnico sei que o time é fraco, sua situação atual mostra isso e sua história recente tem mostrado outras tantas fraquezas em série, portanto estou consciente de que perder será a regra para o Vasco atual, tem que ser, e é bom que seja porque ganhar com esse nível significa que o futebol em geral tá falido. Mas não se empolgue! O Flamengo também saiu da Libertadores pois o time é fraco, surpresa seria se ganhasse alguma coisa, e foi bom perder, pois imagina esse Flamengo aí de hoje campeão da América na foto ao lado daquele campeão em 81 na parede do seu quarto! Piada!

  2. Lena abril 28, 2014 at 4:13 pm - Reply

    Mt bom o tema em discussão.
    Parabéns, Rodrigo!
    Atc
    Leana

  3. Silvana abril 28, 2014 at 4:14 pm - Reply

    Olá,

    Apesar de ser Flamengo e ter ficado feliz com a vitória, concordo com você. É vexatório e temos que esclarecer isso para as nossas crianças. Cultivando sempre o senso de respeito, justiça e honestidade.

    Adorei o email.

    Abraços,

    Silvana – mãe do Pedro Lobato

  4. Fred maio 5, 2014 at 4:43 pm - Reply

    Professores Rodrigo e Tiago:
    todos os grandes clubes cariocas já foram beneficiados por erros de arbitragem: Botafogo no Brasileiro de 95 (gol de Túlio), Fluminense no carioca de 71(gol de Lula), Vasco no Brasileiro de 74.

    Com o Flamengo, entretanto, a história tem sido mais gritante. Três cariocas seguidos contra o Botafogo em condições absolutamente polêmicas, com destaque para o bico que o Juan deu na canela do Maicosuel após levar um 'ovinho' desmoralizante na final de 2008. O descontrolado Juan ainda colocou o dedo no nariz do craque do Botafogo e não levou nem mesmo um amarelo.
    Agora temos este carioca. Sem falar no Brasileiro de 80. Na Libertadores de 81. Brasileiro de 82 (jogo contra o Sport, vítima recorrente, e Grêmio, na final). No Brasileiro de 87, o erro não foi da arbitragem…

    Fato mais lamentável e inconteste do que esta recentíssima polêmica, foi o amiguinho do meu filho Pietro dizer, lá em casa, neste feriado, que passou a torcer para o Flamengo.
    Em outras palavras, pergunto-lhes: pode existir algo pior que um erro de arbitragem? Pior que um título sem merecimento? Sim, existe.
    É este título imerecido influenciar na escolha do time de uma criança, escolha que pode perdurar por toda uma vida.

    Meu papel é pensar, é questionar as verdades enlatadas que nos são empurradas pelo cinema americano e pela Rede Globo.
    Minha missão é explicar para meus filhos – olha só o desafio! – que não existe ser humano imparcial, que a Imprensa é o quarto poder, que o dinheiro comanda o mundo, que a publicidade (curso que tb concluí) está focada no maior número possível de pessoas que vai consumir algo. Então, as escolhas são feitas por osmose, pela frequência com que se repetem. É assim que as empresas alcançam o topo das vendas e tornam-se líderes de mercado. Pela boa publicidade e pelo tanto de dinheiro que tem para repetir aquela mensagem. E não importa se o produto tira ferrugem de pia e faz mal à saúde. Então, 'Beba Coca-Cola', pois 'Coca-Cola é isso aí'.

    'Flamengo é Flamengo'. Foi assim que o amigo de meu filho passou a dizer que era Flamengo. Por influência na escola, do amiguinho, da televisão, dos locutores da Globo e, para sacramentar esta escolha 'de cabresto', por força deste polêmico título carioca. Este é, na minha opinião, o maior prejuízo causado por um campeonato imerecido.
    E, agora, caso volte a torcer por seu time de origem, esse menino será massacrado por outro slogan publicitário: 'Uma vez Flamengo, sempre Flamengo'.

    Eu, definitivamente, jamais deixarei de me conformarei com isto.

    Sds esportivas(?),
    Fred

  5. Rodrigo Tupinambá Carvão maio 5, 2014 at 4:45 pm - Reply

    Olá Fred,

    Em primeiro lugar, obrigado pelo retorno. É muito importante pra nós poder escutar os pais.

    No entanto, permita-me discordar de tua opinião.

    O que tentamos passar aos alunos (e isso se faz fundamental no momento da 'chapa quente' no jogo) é que, embora devamos sempre perseguir a justiça, esta é muitas vezes alheia aos acontecimentos do jogo de futebol. E que, mesmo assim, devemos seguir jogando, e não sair do jogo, não criar o hábito de ficar reclamando do juiz.

    Da maneira como entendemos, um time, para vencer uma partida e, mais ainda, um campeonato, deverá passar por cima desta ou daquela 'injustiça'. Assim temos feito, e eles costumam compreender. Como resultado, um equilíbiro emocional bstante razoável durante as partidas. Não é ser 'imoral', mas poder encarar a realidade que nem sempre é justa, mesmo.

    Bem, quanto ao Flamengo e ao Zico, permita-me discordar novamente. Tua opinião me parece bastante ressentida e magoada.
    Sou Flamengo; mas Romário, Edmundo, Juninho Pernambucano, Maurício, Renato Gaúcho, etc., me fizeram ir às lágrimas quando criança no Maracanã; nem por isso os considero menores, ou enxergo qualquer 'complô'. O Vasco de 1988 a 2000 acabava comigo.

    Mas posso seguir com isso.

    Um abraço

  6. Rodrigo Tupinambá Carvão maio 5, 2014 at 4:48 pm - Reply

    Caro amigo Ulisses,

    Concordo plenamente com tuas colocações. Me parecem muito lúcidos teus comentários. Minha maneira de trabalhar tenta seguir por aí!

    No mais, é forçoso reconhecer que tanto Flamengo como Vasco estão por demais aquem de suas histórias…

    Grande abraço

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