Histórias Fantásticas de Futebol (3)
‘Eternos’
Parece que é na Argentina, não sei ao certo se na Grande Buenos Aires ou em outra província, mas quem conhece garante que numa região pobre, perto de uma linha de trem, existe um lindo campo de futebol – onde se ouvem vozes.
Claro, ninguém deixa de jogar lá por conta disso, mas muito se fala que não são vozes fantasmagóricas.
Parecem vozes comuns.
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Um rapazinho chamado Diego, com quem tive a chance de conversar, me garantiu que não se ouvem gritos de dor, barulho de gente arrastando corrente ou outras crendices.
“O senhor não iria acreditar”, ele me contou. “Mas quando eu ia correr para a direita, na tentativa de receber um lançamento, uma voz sussurrou no meu ouvido para eu não acelerar tanto, se não iria ficar em impedimento”.
Eu ouvia com atenção, então continuou. “E deu certo: atrasei dois passos, o suficiente para esperar a bola ser lançada nas costas do zagueiro. Entrei livre, driblei o goleiro e meti no fundo da rede”.
“Passei muito tempo me perguntando quem poderia ter me falado aquilo no pé do ouvido, já que na disputa só estávamos eu e o zagueiro!”
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Uma menina, chamada Olívia, também jogou por lá. Ela é goleira. Eis sua história:
“Às vezes eu fico até com vergonha de me chamarem de mentirosa, mas preciso dizer o que aconteceu: na disputa de pênaltis, peguei três das quatro cobranças. Um segundo antes do batedor se posicionar, soprava no meu ouvido uma dica, muito certeira, de qual seria o canto certo a pular. Nós vencemos e até hoje não sei muito bem o que aconteceu.”
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Tem também a jogada do Francisco, o Chico, em que ele narrou:
“Gosto de jogar na zaga, marcar corpo a corpo por trás do atacante. Mas quando entrei em campo aquele dia, na primeira bola que veio para a disputa, ouvi um conselho: “Com esse aí, não fique por trás, tome a frente dele, se antecipe!” Pois comecei a fazer isso e não perdi uma única bola naquela partida!”
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Não sei mais quantas histórias temos. Talvez sejam muitas. Ainda não se sabe ao certo o que se passa ali.
Mas se sabe que, antigamente, as crianças ficavam jogando futebol todos os dias depois da escola, durante tardes inteiras, até à noite quando, então, as mães chamavam para o jantar.
O que um senhor com quem conversei uma vez chegou a me contar é que, numa dessas noites, os meninos e meninas daquele campo, de tanto jogar, de tanto suar, começaram a derreter.
E, segundo este senhor que me contou, suas pernas e pés e depois seus corpos inteiros foram se confundindo com o gramado, com as traves, as redes, com as linhas de marcação do campo. Parece que o mais craque de todos se transformou, ele mesmo, na bola, e que tem um esconderijo.
As famílias, então, passaram a cuidar muito bem do campinho, regando, aparando a grama, organizando campeonatos.
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Se foi isso mesmo o que aconteceu, acredito que não houve sofrimento, e aqueles felizardos que viraram um campo de futebol alcançaram a eternidade.
(De: Rodrigo Tupinambá Carvão)