Liberdade?
Durante uma aula, recentemente, ocorreu uma cena interessante. O aluno, com cerca de seis ou sete anos, relutava em ir para o gol no momento da partida de futebol. Três de seus colegas de time já haviam ficado na posição, restando apenas mais dois para cumprir o revezamento – ele próprio e mais um. Como nenhum gostava de ser goleiro, o segundo propôs a saída pelo acaso para decidir quem iria antes: bastava tirar par ou ímpar. O fulaninho continuava recusando, não queria saber da sorte. O professor observava, ajustando as contas com o relógio e esticando o tempo para que, no encontro da subjetividade de um e de outro, pudesse emergir uma solução.
Creio que não, e me pareceu interessante utilizar essa historinha como exemplo. Vejamos: o menino da passagem acima tentava, a todo custo em seu imaginário, controlar o curso dos acontecimentos afim de preservar sua posição. Como um reizinho, evitava mostrar-se igual aos demais, que se submetiam à realidade compartilhada. “Eu não”, ele parecia dizer. Por que será que não conseguia escolher algo aparentemente simples, decidir o momento de colaborar com os colegas – dado que nenhuma ordem havia sido colocada de antemão?
Porque julgou, em sua onipotência infantil, que a ausência da ordem do adulto naquela situação significava ausência de Lei dentro do grupo. Com L maiúsculo. Os outros colegas, com a Lei mais sedimentada, internalizada a partir de experiências anteriores (familiares e sociais), ao contrário, se mostraram mais maduros para usufruir da liberdade – que só é digna deste nome se responder a algum imperativo moral. No caso acima: todos precisam colaborar como goleiro, já que ninguém o faria por aptidão pessoal.
De tal maneira que ele realmente precisou do professor para quebrar com sua onipotência que, àquela altura, já estava ficando muito pesada. Foi fundamental apresentar aquilo a que atualmente temos chamado de limites – e isso se configurou um verdadeiro alívio. O alívio em ter que escolher e arcar com suas decisões, por si só. Como não gostava de ir para o gol, estava impossível escolher o momento de ir e ‘perder’ uma parte do jogo na linha. Aquilo não era liberdade para o fulaninho, mas sim uma situação caótica. Percebam que ele próprio pediu este limite mesmo que, até o último segundo, buscasse evitá-lo ao manobrar suas posições. Só pôde realizar este movimento com a minha ajuda. Precisou do imperativo: “Vá para o gol agora”. Isso retirou dele a responsabilidade da escolha, pois eu a assumi.
Não há nada de novo aqui. O que desejo chamar a atenção é para a necessidade da presença do adulto. Muitas vezes, no intuito de viver e deixar viver, podemos produzir uma sensação de abandono, de caos ou de uma angústia muito grande para a criança, acreditando que estamos proporcionando liberdade. Mas usufruir desta é uma conquista infantil que se faz aos poucos, e é sempre relativa. Somente com uma fina percepção se vai podendo tatear para aquilo que o sujeito em formação está apto – ou não. Cabem aí os desacertos da vida.
Mas eles precisam saber que podem contar conosco, que alguém está lá para sua garantia, mesmo que para isso tenham de chamar a atenção com sinais invertidos. Sem leis internalizadas não há liberdade, mas confusão. E quem ajuda a construir a Lei, na formação do sujeito, é o adulto e suas representações sociais (família, escola, instituições). Regras de convivência, princípios morais claros, simples e ao alcance da compreensão infantil. A criança precisa responder a alguém ou a alguma coisa. Quando tudo isso vai amadurecendo, ela pode avançar em suas escolhas de maneira mais tranquila e menos defendida. É como o próprio jogo de futebol: o que garante a liberdade do improviso, dos movimentos e do devaneio são as regras do jogo. É um paradoxo que precisa ser sustentado.
Cara feia de criança, passa. E faz bem.
Aquele abraço, saudações esportivas
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Muito bom, Rodrigo!
Ótimo texto!
Beijos
Curti muito esse post, minha mãe sempre falou muito disso Tb 🙂
Gostei muito. E, embora já adolescente, ainda aplico no meu filho. bjs.
Sensacional!
Pois é, variando as matizes, cabe pros adolescentes também!
Valeu a força, pessoal!
É isso aí! Muito bom.