Notas de dentro da quadra
Por Rodrigo Tupinamba Carvao
em 26/09/2019 |
Categorias: Chutebol18 anos ● Educação ● Futsal ● Infância ● Saúde
1.O menino é bom de bola, bom mesmo. Nos últimos tempos, no entanto, quando vê a vaca indo pro brejo, treme os lábios, mareja os olhos, respira curto. Reclama de tudo e de todos. O professor observa, tenta dar tempo ao tempo, até que decide intervir de maneira mais incisiva após algumas aulas: “Fulano, tô vendo que está difícil. Se não estiver dando pra você, melhor sair um pouco.”
O pequeno jogador bufa, olha nos meus olhos e, finalmente, consegue dizer: “Quero sair”. Para ele, uma conquista.
2. O segundo é outro craque, daqueles que carrega um piano e um time nas costas. Naturalmente, ainda não descobriu que não é para tanto, acredita piamente que a vitória depende dele somente dele e de mais ninguém. De tanto chorar nas derrotas (quase desidrata, ô dó) encontrou uma solução curiosa: parou de arriscar-se. Pouco participa do jogo, fica lá atrás dando umas bicudas pra frente, torcendo para algum amigo fazer um mísero golzinho, salvador. Não será mais ele a jogar em vão.
O professor percebe a artimanha e comenta, pé do ouvido: “Olha, esse medo todo da derrota dificulta sua vida. O risco de perder está aí mesmo, mas parece mais divertido tentando fazer gol, não acha?”. Não fica muito convencido e, ao voltar para o segundo tempo, faz um gol e pergunta ao outro professor: “Quanto tempo falta pra terminar?” – ávido para que a partida acabasse logo. Faltava muito, lá foi ele dar suas bicudas, desapontado com o cronômetro.
3. O pai encontra o professor e comenta a pressão que o filho demonstra sentir, particularmente nas competições. “Eu digo a ele pra ir lá e brincar, se divertir. Mas ele fica nervoso demais na hora do jogo, não sei o que acontece, a gente nunca cobrou dele assim”. O professor escuta e tenta ajudar como pode. Não há manual.
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O medo de perder é natural, sabemos. Quase um instinto de preservação, uma luta. Mas o que acontece quando ele comparece com os sinais do excesso?
Muitas vezes o que ocorre é um enorme sentimento de responsabilidade. Na maior parte das vezes é algo inconsciente, a criança não sabe disso, ou sabe num lugar inacessível em seu psiquismo. É comum vir à tona a partir de questões familiares, e, novamente, a própria família ainda não se deu conta disso.
Outro ponto, que pode ter a ver com o primeiro, é um ideal, uma imagem a ser atingida que fica insuportável em caso de derrota, do tipo: “não sou o que pensam que sou, sou uma farsa”; ou ainda “sou fraco”, “não sou o que esperam” e todas as variações dessa imagem que fica distorcida em relação a um ideal notadamente familiar (mesmo que não seja dito em palavras, aliás, principalmente).
Uma terceira situação é uma agressividade interna que todos carregamos e que, em caso de uma realidade adversa, força o sujeito a direcioná-la sobre ele próprio. Digo, no lugar de, diante da derrota, se lançar em busca da vitória com todas as forças, o sujeito desapontado consigo mesmo capitula, não bota pra fora sua potência. Pode ficar com muita raiva de si, sentir-se culpado, fracassado e toda essa sorte de coisas quando tudo dá errado. Aponta a força agressiva contra ele mesmo. Cada perna pesa uma tonelada.
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Os temas acima podem relacionar-se de diversas formas, com todas as combinações possíveis ou a sós, dependendo de cada caso, momento de vida, singularidade. A criança não vai reagir de modo diferente porque algum adulto (familiares, professores) pediu ou disse alguma coisa. Não é assim que funciona.
A melhor maneira de ajudar, acredito, é abrir espaço para a falha, a derrota, até entristecer com a criança se for o caso, desde que seja espontâneo. Não creio que qualquer coisa, nesse sentido, mude com imperativos do tipo “o importante é competir”; ou “isso é só uma brincadeira”, etc. É claro que nada disso invalida uma boa conversa, uns toques, um aconchego necessário.
Uma partida de futebol pode importar muito na infância, é lugar de medir-se com o mundo – e o que está em jogo, muitas vezes, é como a criança acha que familiares e amigos vão encarar ele ou ela em caso de fracasso.
Essa espaço aberto para o fracasso, quando necessário, é justamente o lugar de dar as mãos para atravessar rochedos entre raios e trovoadas. Poder dizer que “não está dando”, poder sair e entrar de novo, poder chorar e se enraivecer. Em casos mais difíceis, poder sair do futebol e voltar.
Poder ver-se, afinal, imperfeito. Tudo que estou tentando dizer é que o sentimento de fracasso não é para ser impedido, mas vivido. É condição fundamental do amadurecimento de qualquer pessoa.
Em minha experiência, e é só a partir dela que posso falar, tudo o que podemos fazer é dar as mãos, caminhar e esperar por tempos melhores.
Treinando, é claro, melhor ainda =)
Aquele abraço, saudações esportivas
Adorei toda a elaboração desse texto !!!! Obrigado mais uma vez por conseguir de forma brilhante mesclar o esporte a psicologia infantil !!!! Parabens pelo belo trabalho que desenvolve com as crianças e com os pais !!!!
Abraços
TMJ
Obrigado pelo envio do texto!
Muito bom!
Abraços,
Bernardo