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Sem juiz

Os meninos, finalmente, após meses jogando sem alcançar dez alunos em quadra (cinco para cada lado), encontraram-se no número mágico.

Qual não foi a felicidade do professor quando um deles se deu conta, no início da aula, e disse: “Ahhh, finalmente temos dez, podemos fazer o jogo logo??” – coberto de razão. E foram jogar – sem juiz.

A princípio estranharam quando nenhum dos professores investiu-se do papel de árbitro, mas a ideia era essa mesmo: deixá-los jogar e poder perceber como fariam isso por eles mesmos. Curioso é que, algo outrora tão natural, com os meses de pandemia e com a pressa das agendas infantis tornou-se praticamente uma novidade antiga. Jogar uma partida inteira, com times completos e sem juiz (nem treinador).

Daí que, em dado momento, as dificuldades começaram a se apresentar em meio à excitação do jogo. Foi falta ou não foi? Saiu ou não saiu? E a pergunta clássica: valeu ou não valeu??

Quando a turma flertou com o caos o professor viu-se obrigado a intervir,  e aí a pergunta, que já andava nas cabeças, ganhou palavras: como jogar sem juiz? Quem vai dar o norte das regras? A pergunta, como convinha, foi respondida com outra pelo professor: “Jogo sem juiz é o mesmo que jogo sem regras?”

Uns riram. Outros coçaram a cabeça. Ficou evidente que não: era possível jogar sem juiz, mas impossível jogar sem regras, dado que elas definem a própria atividade do jogo. Em outros termos: um jogo é definido por suas regras.

E então conversamos, ajustamos uns combinados, além de um apelo certamente frágil ao bom senso infantil. Se o VAR profissional não encerra as discussões de uma partida, é preciso também saber o que exigir dos códigos morais infantis – e poder arcar com alguns desequilíbrios.

No fim das contas, lá seguiram eles, usufruindo de leis internas que cada um já dispunha (condição essencial); e, agora, colocando em prática exigências morais ao alcance da idade. Os professores continuaram observando e intervindo coletivamente em caso de impasse, mas fora do lugar de árbitros.

Até que um menino pediu falta para um colega do próprio time. Os adversários protestaram. Que fazer?

Correram até o jogador que, supostamente, havia sofrido a falta acusada pelo colega de equipe. E ele deixou bem claro: “Não foi falta não, eu caí de maduro!”

O trabalho estava feito. Agora é cultivar.

Aquele abraço, saudações esportivas

This Post Has 4 Comments

  1. Muito bom, camarada!
    Voltar ao básico, cultivar o feijão com arroz, nunca foi tão essencial pra essa garotada de hj em dia. Em especial as de classe média urbana, que vivem numa espécie de redoma que as protegem da própria cidade, seus códigos e regras…
    Muito bacana ler isso!
    Parabéns, cara!
    Avante!

  2. Parabéns, Rodrigo!
    Vc sempre atento, dedicado e certeiro em seus posicionamentos. Isso sim é ser um educador, formador de seres humanos. Obrigada por nos ajudar nessa jornada. Sou sua fã. Abraço, juliana

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