Solidão adolescente

Por Rodrigo Tupinamba Carvao
em 14/04/2016 |
Categorias: Sem categoria
Caríssimos (as),
Tenho percebido no cotidiano do trabalho algo que já é comentado há algum tempo, tanto pelas famílias como por especialistas: o período da adolescência tem se apresentado mais cedo à infância, como que tomando desta alguns anos de existência. Digo, se pensarmos na puberdade (as mudanças hormonais e fisiológicas) como uma preparação para a adolescência, é como se esta última tivesse tomado para si a primeira, assim meio na marra. É mais que legítimo pensar nos motivos sócio-culturais da configuração que descrevi, mas o ponto que pretendo fazer agora não é este. O fato é que, de uma hora pra outra, pluft! – estamos convivendo com um adolescente. E tome de os pais levarem um susto.

Daí que muitas vezes este susto chega até os ouvidos do professor como uma queixa, um choramingo, um desconforto ou uma dúvida – “puxa, como fulano mudou, está assim, está assado, introspectivo, não me conta mais as coisas, parece viver no mundo dele… que será que aconteceu?” Dá pra pensar no que quer dizer este mundo próprio, pessoal e intransferível.

Não soa como uma solidão qualquer. Tem uma qualidade própria, que remete às transformações deste período de vida. Claro que não há novidade aí: o mundo pessoal dos adolescentes, a partir do momento em que as idades relativas passaram a ser enxergadas e distinguidas na história humana, passou a rugir cada vez mais alto e mesmo a se impor. Foi aceito como um momento particular na trajetória do sujeito e, se hoje muitos reclamam (a meu ver com razão) de uma quase ditadura da juventude, por outro lado não adianta ficar o tempo inteiro se debatendo com um problema sem ao menos tentar entender do que se trata. 
O que se convencionou chamar crise de adolescência, em meados do século anterior, continua fazendo sentido. Ao investigar as raízes desta crise chegaremos, inevitavelmente, à despedida do sentimento de infância. Como costumamos lembrar, a noção de infância é uma construção sócio-cultural, mais do que um dado biológico. Daí que, se este sentimento de infância está desaparecendo mais cedo, a irrupção de afetos ligados ao luto do infantil impacta o sujeito tremendamente. No epicentro da crise de adolescência está exatamente isto: se sofre por deixar de ser criança ao mesmo tempo em que se sofre por não saber ainda o que vai ser – afinal de contas, ainda não é adulto. Por esta perspectiva, trata-se de um não-lugar, prato cheio para uma potente sensação de vazio. “Quem sou eu?” pode soar piegas, mas quem nunca fez a pergunta perdeu o bonde da própria história. Vai vagar a esmo aí pelo planeta, meio oco.
O que a psicologia moderna resolveu chamar de luto da infância diz respeito à série de novas identificações que todos precisamos efetivar, afim de afirmarmos nossa singularidade e maneira de existir, deixando para trás (e daí decorre o luto) o mundo parental que fora, em sua maior parte, o nosso próprio mundo. Diante do temor do desconhecido porvir, tais identificações são fundamentais para que o sujeito consiga se reequilibrar no laço social. Por isso mesmo, como é também sabido, as aglutinações em torno de ídolos, pequenos grandes heróis da música, dos games, do esporte, da política e por aí vai. A adolescência é pop.

No entanto, mesmo ela sendo pop, o sentimento de solidão pode fazer parte de um amadurecimento do sujeito. Pode trazer um enriquecimento da personalidade, pois permite passear em recônditos profundos de si – afetos, memórias, verdades interiores. Experimentar a solidão é, muitas vezes, uma busca autêntica para estar consigo mesmo. Este movimento psíquico tem raízes na primeiríssima infância e pode pedir atualização em momentos críticos; tal movimento tem, como porto seguro, a situação paradoxal de ter estado só na presença de alguém. Digo, se o adolescente em questão tiver podido usufruir de uma segurança parental durante a infância, me parece que a solidão que ora comparece poderá ser vivida como um ganho – se a família compreender este movimento e se mostrar disponível, presente – mesmo que a pessoa em questão necessite ficar recolhida. Como a criança pequena que brinca ‘sozinha’ na presença dos pais e os internaliza em seu coração.

Esta situação, é importante frisar, é completamente diferente da solidão que remete o sujeito a um sentimento de abandono. Talvez o ‘x’ da questão seja exatamente distinguir um do outro, e isto não é tarefa fácil.

Acredito que, atualmente, uma grande fonte de angústia dos pais, diante disto que escrevi, são os encaminhamentos que este sentimento de solidão tem revelado; noutros tempos, para combatê-lo, as pessoas se reuniam mais nas ruas, nas casas, ou mesmo se juntavam para cometer pequenas transgressões comuns à idade. Com a revolução da internet, no entanto, muitas vezes a garotada acaba adentrando o mundo virtual para de lá não sair. Como se não houvesse porta de saída do quarto.

Mas há. O termo que citei é crise ‘de‘ adolescência, e não ‘da’. Da adolescência, não há porque se dizer que está em crise, já que este é seu estado natural. Ao contrário, a crise é ‘de’ adolescência, e tudo o que não se deve fazer é impedi-la. Isto sim, seria travar a pessoa em seu amadurecimento. Dito de outro modo: o essencial da adolescência é a crise, e quem não a viver (com maior ou menor estranheza) provavelmente se ressentirá disto em algum ponto do futuro.

Tolerar, suportar tais fases difíceis estando numa atitude de disponibilidade é a melhor solução que tenho percebido. Ser capaz de lembrar deste período em sua própria vida também ajuda muito. Não se trata de mimar a pessoa ou achar graça no fato de ele ou ela não sair do quarto. Se o adolescente se mostra adolescente, é porque ele pede que o adulto se mostre adulto, e aí cada família se organiza à sua maneira. Apresentar determinados limites e valores da família, aliás, é também uma forma de estar presente. O que não deveria impedir uma certa aceitação se acontecer uma fase de solidão.

Ouvi dizer que o melhor remédio para a adolescência é o… tempo.

Aquele abraço, saudações esportivas

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13 Comments

  1. Anônimo abril 14, 2016 at 11:02 am - Reply

    Muito bom! Obrigado

  2. Estêvão Kopschitz Xavier Bastos abril 14, 2016 at 2:36 pm - Reply

    Muito bom, Rodrigo – você está sempre atento a questões muito atuais de pais e filhos.

  3. sunflower abril 15, 2016 at 7:32 am - Reply

    Rodrigo
    Excelente linguagem. Focando os pontos que nos projetamos para compreender o outro e a si mesmo. A fim de prevenir um aprofundamento complexo você alavanca a luz da consciência como pinto de partida para reflexão. Obrigada

  4. Marcelo abril 16, 2016 at 1:08 pm - Reply

    Adorei o texto, Rodrigo!

    Tudo a ver como momento…

    Abraço

  5. Roberta abril 16, 2016 at 1:09 pm - Reply

    Texto excelente!
    Parabéns!

  6. Fernanda abril 16, 2016 at 1:10 pm - Reply

    Rodrigo,
    Obrigada pelo texto. Ótima leitura.
    Abs

  7. Carlos abril 16, 2016 at 1:20 pm - Reply

    Muito bom! Grato!

    Carlos Eduardo

  8. Adriana abril 16, 2016 at 1:20 pm - Reply

    Adorei o texto, mais uma vez, Rodrigo!
    Obrigada por compartilhá-lo!
    Um abraço,
    Adriana

  9. Leana abril 16, 2016 at 1:24 pm - Reply

    Puxa Rodrigo, como foi bom ler td isso!!
    + uma vez, obgd pelas palavras, informações e sensibilidade c seus/suas alunos….
    ABC
    Leana

  10. Paula abril 18, 2016 at 6:38 pm - Reply

    Rodrigo, adoro seus textos!
    Abs,
    Paula

  11. Bruno abril 18, 2016 at 6:39 pm - Reply

    Rodrigo,

    Mais uma vez: Seus posts aqui são ótimos!! Parabéns pela lucidez, sensibilidade e boa escrita!!

    abração

  12. Rodrigo Tupinambá Carvão abril 18, 2016 at 6:43 pm - Reply

    =)

  13. Anna abril 19, 2016 at 9:09 pm - Reply

    Nossa Rodrigo, este texto se encaixou com uma luva para mim.
    Obrigada.

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