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Miudezas

O pequeno aluno estava mudando de turma. Sentia-se claramente desconfortável: ao menor sinal de confrontos próprios do jogo, tremia os lábios.

O professor percebeu, convidou-o a sair um pouco para beber água. Junto, o choro – e a queixa: “Já avise à minha mãe! Isso de ficar mudando de turma é muito difícil! Não dá pra conhecer um monte de gente de novo! Não vai caber na minha cabeça!!

O professor fez silêncio. Curiosa a formulação do rapaz. Ali, qualquer intervenção do adulto só teria alguma chance se falasse na mesma língua. Ficamos em silêncio um par de segundos. Me ocorreu um pensamento.

Pude, então, continuar a conversa: “Fulano, mudar de turma não é fácil. Mas pense comigo: você está crescendo. Se você está crescendo, sua cabeça também está.” Me olhou, ressabiado. Continuávamos sentados à beira da quadra, calorzinho carioca. Muito suor.

Senti licença para prosseguir: “Já imaginou você crescendo, aos dez, quinze, vinte, trinta, sessenta anos, um senhor com uma cabeça pequenininha? Já imaginou que figura estranha?!” Ele me olhou, desarmou-se. Fez sentido. “Acho que você vai crescer, sua cabeça vai crescer, vai caber mais gente. Que tal voltar à quadra e conhecer aos pouquinhos?”

Retornou sem alarde, procurou um amigo já conhecido para fazer a ponte. Foi.

***

Não há garantia de sucesso. A história ficou boa de contar porque fez sentido, e funcionou. Poderia não ter funcionado, naturalmente. Mas o que vale ressaltar é a busca dos profissionais de educação, quando atentos, às miudezas do processo pedagógico.

Miudezas subjetivas, que podem ajudar na sustentação de um bom ambiente – no caso, desportivo.

O professor de educação física, em especial, tem acesso privilegiado a este tipo de discurso, não formal, pois que lida com corpos em movimento, agressividade e emoções que só irão surgir em contextos deste tipo.

A busca por ir aonde o aluno está; falar a mesma língua; é um trabalho para olhos e ouvidos atentos, junto à capacidade de refletir no calor do momento. Por mais que muita gente ‘entenda de futebol’, a vivência pedagógica é anterior a isso.

Ou deveria ser, e para isso estão os professores e professoras de educação física.

Além do gol, para as miudezas.

Aquele abraço, saudações esportivas e um ótimo 2024 pra nós

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