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Perder dói

A partida estava chegando ao final, o pequeno jogador se esforçava. Bom de bola, driblou, chutou, correu, tentou de tudo.  O professor encerra a partida, a aula, fim de papo, o rapaz diz “mas jááá?!” – e desaba.

Não passa dos seis anos. Reúne forças, consegue cumprir o ritual da turma e despedir-se dos amigos naquela pilha de mãos e fazer “ôôô, tchau!”.

Se vira pra mim e vem reclamar: “Professor, você não deu o tempo certo de jogo!” Fiquei confuso, perguntei o que ele queria dizer com aquilo. “Olha, você deu mais tempo no jogo dos outros times, eu ainda podia fazer um gol!”, ele contesta.

Explico que o cronômetro é o mesmo, que talvez a diferença seja aquela que Einstein nos ensinou, que a sensação de tempo (lento ou acelerado) é diferente dentro e fora da quadra, quando está ganhando ou perdendo etc.

De nada adianta. Pede para ver meu relógio, eu mostro, as luzes do ginásio já se apagaram. Quer que eu demonstre o funcionamento do cronômetro. Tento uma última cartada e digo a ele, com o relógio correndo, que o tempo dado para os dois jogos foi o mesmo que víamos correr ali.

Injuriado, ele vê os segundos passando, olha nos meus olhos e diz, com voz firme: “Mas que droga, então compra outro relógio!!” – vira as costas e sai.

Entre estupefato e com vontade de rir, deixei-o viver sua raiva do jogo, do tempo, da vida. Não precisei tomar aquilo como desrespeito, mas como um desabafo. O mundo, às vezes, cansa mesmo.

O jogador mirim não suportou a dura realidade que se impôs: seu time perdia, o tempo passou e, diante da impossibilidade de encarar a dor da derrota, restou a ele o recurso infantil, muito comum, de deslocar a angústia. A culpa era do tempo, do relógio – do meu relógio!

Essa pequena história me lembrou as reações tresloucadas e infantilizadas de muitos de nossos jogadores profissionais. Perder um jogo, uma decisão, no Brasil, virou um festival de grosserias, estupidez e mimimi generalizado.

Virou moda abandonar a premiação; não receber a medalha de segundo lugar; falar do juiz, do adversário, seja lá do que for – mas não conseguir admitir e dizer a mais simples das frases: “É, perdemos”.

A obrigação de vencer, que leva ao desespero (e inúmeras vezes ao mau futebol), tem seu reverso nessa coisa medonha de, infantilmente, deslocar a angústia na vã tentativa de evitar a dor, e ficar buscando culpados imaginários.

No treino seguinte, lá estava o amigo da história, animado como de costume. Na hora do jogo, deu uma conferida no meu relógio, jogou bem, seu time venceu. Ao nos despedirmos, lembrei do episódio da aula anterior e perguntei como o cronômetro havia se comportado desta vez. “Normal”, ele respondeu. Riu e me deu um abraço.

Entendeu o que muitos profissionais ainda não entenderam – e fez as pazes com o tempo.

Aquele abraço, saudações esportivas

This Post Has 11 Comments

  1. sensacional!
    vc bem sabe como amo essas tiradas, ne?
    acho maravilhoso que uma criança tao pequena tenha essa percepção, e principalmente esse espaço para se expressar.
    bjs e obrigada por compartilhar a historia!

  2. Lindo texto, bela história. Como é importante fazer os nosso pequenos refletirem diante de um mundo com tantas exigências. Obrigada por dividir mais essa.

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