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Pra onde eu vou?

A aula começava, as crianças jogando livremente, o professor deu um par de comandos: para daqui, guarda aquilo, bebe água etc.

O pequeno jogador se aproxima, em meio a estes comandos simples e conhecidos e pergunta: “Pra onde eu vou?”. O professor fica meio desconcertado, afinal naquele exato momento não havia um lugar para ir, por assim dizer. A meninada estava terminando de cumprir os tais comandos e se reagrupando para a próxima atividade.

Basta ficar aqui“, eu pude dizer a ele. Sentou-se.

Próxima atividade, uma brincadeira que começava com alguns locais previamente definidos para, então, adentrar o caos próprio das brincadeiras mais divertidas. A atividade começou, o mesmo menino aproximou-se, cara de aflito, perguntou novamente: “Pra onde eu vou?”.

A repetição coçou os ouvidos do treinador, que dobrou os joelhos com certa dificuldade para alcançar melhor os ouvidos do pequeno. No lugar de dizer para onde ir, explicou novamente do que se tratava a brincadeira. O menino se convenceu um pouco, arriscou uns passos e foi, mesmo com dificuldade.

Na última atividade do dia antes do jogo de futebol propriamente dito (um treinamento conhecido e próprio das repetições necessárias às aprendizagens infantis) após a explanação que a maioria da turma já sabia de cor, lá veio ele, com a mesma pergunta.

Não pude responder com uma orientação, mas com outra pergunta: “Fulano, olhe para a quadra. Para onde você acha que deve ir?”. Olhou, atentamente. Foi como que narrando os movimentos dos colegas, até que disse, em maravilhoso ato falho, “aí eu vou pra lá então”.

Então você já sabe para onde ir”, devolvi. E lá foi ele. Não me perguntou mais nada desde então.

*

A confiança é elemento mais que fundamental do amadurecimento infantil. Por confiança, este tipo de confiança, me refiro a algo mais do que ‘saber’ ou ‘fazer’ alguma coisa de modo assertivo. Mais que isso, é uma confiança em estar no mundo.

O pequeno jogador desta anedota precisou tatear ponto a ponto seus passos em quadra e, imagino, tantas vezes antes de arriscar-se a perguntar, quantas vezes não deve ter ficado sem rumo, apenas seguindo a turma sem pensar sobre as próprias ações.

Para conseguir chegar ao professor e perguntar, é legítimo imaginar que sentiu a confiança mais elementar de todas: a que o ambiente podia acolher sua dúvida, e que o professor poderia dar-lhe a mão, ou ao menos escutá-lo.

Noutros casos, com crianças em maior dificuldade, o mais comum é algum tipo  de subterfúgio: ‘estou com dor’; ‘não quero jogar hoje’; ‘não sou bom’.

Esse pequeno caso parece ilustrar, como tantos outros, a necessidade de sustentar um ambiente – no caso, esportivo – em que as pessoas se sintam seguras o suficiente para errar e, sobretudo, duvidar.

Até que possam, digamos, se sentir mais confiantes.

E – por que não? – encontrar seus próprios caminhos.

Aquele abraço, saudações esportivas

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