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Tão perto, tão longe

Caríssimos,

O vídeo abaixo é intitulado ‘Innovation of Loneliness‘, e nos foi enviado pelo amigo Maurício Vidal, pai do craque João Antonio – que joga com a gente no Chutebol já há muitos anos. Como temos falado aqui no blog sobre questões da hiper-realidade em que vivemos (aonde as fronteiras do real e do virtual muitas vezes se confundem, e confundem a nossa cabeça), o vídeo vem muito bem a calhar. Versa sobre a sutil – mas fundamental – diferença entre a capacidade de estar só e o vazio da solidão. Paradoxo de um mundo hiper-conectado, em que a maioria de nós tem algumas centenas de ‘amigos’ (?) nas redes sociais. Vale muito assistir com calma e separar preciosos 04 minutos (!!) desta nossa vida corrida. Logo abaixo, para dar um caldo, um potente texto de D.W. Winnicott, psicanalista britânico que em muito inspira nosso trabalho. Aquele abraço e boa leitura!

“Quero aqui examinar a capacidade do indivíduo ficar , partindo do pressuposto de que esta capacidade emocional é um dos sinais mais importantes do amadurecimento do desenvolvimento emocional. (…) Não há dúvida que na literatura psicanalítica tem-se escrito mais sobre o medo de ficar só, ou o desejo de ficar só, do que sobre a capacidade de fazê-lo; também tem sido escrita uma quantidade considerável de artigos sobre o estado de reclusão. (…) Parece-me que a discussão dos aspectos positivos da capacidade de estar só ainda está por ser feita.
Maturidade e capacidade de ficar só significam que o indivíduo teve oportunidade através de maternidade suficientemente boa de construir uma crença num ambiente benigno. À medida que o tempo passa o indivíduo introjeta o ego auxiliar da mãe e dessa maneira pode se tornar capaz de ficar só sem apoio frequente da mãe ou de um símbolo dela. Gostaria de abordar este assunto de um modo diferente estudando a expressão ‘eu estou só‘.

Primeiro a palavra ‘eu‘, indicando muito crescimento emocional. O indivíduo se estabeleceu como uma unidade. A integração é um fato. O mundo externo é repelido e um mundo interno se tornou possível. (…) A seguir vêm as expressões ‘eu sou‘, representando um estágio no crescimento individual. Por essas palavras o indivíduo tem não só forma, mas também vida. Só pode atingir o estágio do ‘eu sou’ porque existe um meio que é protetor; o meio protetor é de fato a mãe (ou substituto) preocupada com sua criança e orientada para as necessidades do ego infantil através de sua identificação com a própria criança.

A seguir vêm as palavras ‘eu estou só‘. De acordo com a teoria que estou expondo, esse estágio seguinte envolve uma apreciação por parte da criança da existência contínua da mãe. Com essas palavras não quero dizer necessariamente uma percepção com a mente consciente. Considero, contudo, que estar só é uma decorrência do ‘eu sou’, dependente da percepção da criança da existência contínua de uma mãe disponível cuja consistência torna possível para a criança estar só e ter prazer em estar só, por períodos limitados. Neste sentido, estou tentando justificar o paradoxo de que a capacidade de ficar só se baseia na experiência de estar só na presença de alguém, e que sem uma suficiência dessa experiência a capacidade de ficar só não pode se desenvolver.

(…) Aceitando isso, a compreensão da importância da capacidade de ficar só segue naturalmente. É somente quando só (isto é, na presença de alguém) que a criança pode descobrir sua vida pessoal própria. A alternativa patológica é a vida falsa fundamentada em reações a estímulos externos. Quando só no sentido em que estou usando o termo, e somente quando só, a criança é capaz de fazer o equivalente ao que no adulto chamamos relaxar. A criança tem a capacidade de se tornar não-integrada, de devanear, de estar num estado em que não há orientação, de ser capaz de existir por um momento sem ser nem alguém que reage às contingências externas nem uma pessoa ativa com uma direção de interesse ou movimento. A cena está armada para uma experiência do id. Com o passar do tempo surge uma sensação ou um impulso. Nesse estado a sensação ou o impulso será sentida como real e será verdadeiramente uma experiência pessoal.

Ver-se-á agora por que é importante que haja alguém disponível, alguém presente, embora sem fazer exigências. É somente sob essas circunstâncias que a criança pode ter uma experiência que é sentida como real. Um grande número de tais experiências forma a base para uma vida que tem realidade em vez de futilidade. O indivíduo que desenvolveu a capacidade de estar só está constantemente capacitado a redescobrir o impulso pessoal, e o impulso pessoal não é desperdiçado porque o estado de estar só é algo que (embora paradoxalmente) implica sempre que alguém também está ali. Com o passar do tempo o indivíduo se torna capaz de dispensar a presença real da mãe ou figura materna. Isso tem sido denominado em termos do estabelecimento de um ‘meio interno’.

(…) A capacidade de ficar só é um fenômeno altamente sofisticado e tem muitos fatores contribuintes.”

[Adaptado de ‘A capacidade para estar só‘ – In: ‘O ambiente e os processos de maturação’ – Donald Woods Winnicott, 1958]

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