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O horror à derrota

A violência que tem se apresentado no futebol brasileiro em acontecimentos recentes é realmente notável.

Dentro de campo, com agressões físicas e verbais (estas já assimiladas como naturais) e, fora dele, com incidentes diversos entre torcidas, ônibus de jogadores etc. Não que estivéssemos em algum paraíso pouco tempo atrás, mas este início de ano chamou a atenção de imprensa, profissionais e demais interessados.

E nós nos interessamos. A cultura do futebol, no Brasil mais especificamente, tem se mostrado ainda mais violenta – e isso atinge a infância.

É conhecido o drama das famílias mais pobres, que, ao se depararem com um talento em casa, incentivam a prática do esporte com sonhos, para além de uma educação esportiva e um desenvolvimento saudável, no sentido da emancipação socioeconômica. Para estes casos, que pipocam pelo país, basta comparecer a qualquer partida de categoria de base, de qualquer idade e em qualquer campo.

A probabilidade de acabar imerso em um festival de palavrões, ameaças e não raro, vias de fato por conta de arbitragem, resultados e escalações é a mais alta possível. Diria inescapável, no atual estado de coisas. Não se trata mais de fato digno de nota, senão que “é assim“. As crianças, as famílias e os profissionais envolvidos se acostumaram.

Ocorre que, após ter tomado o futebol profissional e as categorias de base de alto desempenho, isso parece chegar mais e mais no outrora terreno sagrado da brincadeira de bola, onde se inscrevem as escolinhas de clubes de bairro e atividades extracurriculares nas escolas. Num ambiente, em tese, propício à educação esportiva sem pressão por resultados.

São pais que contestam ‘escalações’ em treino de criança; que reclamam ao pé do ouvido do treinador que ‘fulaninho tinha que ter ido para o gol’; ou que reclamam a reclamação do próprio filho, não podendo suportar uma queixa de derrota em casa – a culpa deve ser do treinador. Chegam, também, relatos de brigas de treinadores em partidas.

É o horror à derrota.

Como resultado, vemos jogadores mirins cada vez mais com os nervos à flor da pele em simples jogos corriqueiros; que não suportam uma marcação contrária do juiz (ou mesmo uma falha); que não conseguem jogar com a diferença, com alguém melhor ou pior.

Ora, as crianças costumam ser um bom termômetro do ambiente em que vivem. Expressam, à sua maneira, aquilo que já não pode ser dito. Veem as partidas nos estádios, xingam como se xinga em frente à televisão, reagem como jogadores desqualificados reagem. Se for o caso, brigam como brigam supostos torcedores. E podem achar normal, se o entorno assim acusar e reproduzir.

Estamos descobrindo, enfim, que o futebol pode ser tudo aquilo que antigamente se dizia: superação, trabalho em equipe, educação; mas pode, também, ser o exato oposto.

É preciso desnaturalizar a violência, e para isso não bastam palavras. É preciso proteger o ambiente do futebol infanto-juvenil: praticar valores, viver experiências reais de solidariedade, amizade, prazer de jogar por jogar.

Vencer é consequência – ou não.

Aquele abraço, saudações esportivas

This Post Has 4 Comments

  1. Excelente! Tema importantíssimo.

    Por aqui, ao final das partidas, é “obrigação” cumprimentar o adversário. Para mim, um dos melhores exemplos (ou hábito, se preferir) que levamos para a vida.

    Abraço!

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